Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – Ela se orgulha de contar as histórias que nascem do povo, que crescem pelos corredores e ruas do próprio território de 170 milhões de habitantes. Há 20 anos, Nollywood, a indústria cinematográfica nigeriana, vem lapidando uma visão autêntica, que não busca referências no cinema norte-americano ou europeu. Pelo contrário, ela faz uso de elementos da cultura nigeriana, da religião e dos problemas que o país precisa vencer, um modelo que, na opinião de seus diretores, o Brasil deveria seguir.
– O Brasil tem quase 200 milhões de habitantes, tem uma cultura muito rica, diversificada, mas vocês não falam sobre isso. Vocês precisam encontrar o próprio caminho de vocês e não imitar Hollywood – sugere o cineasta respeitadíssimo Mahmood Ali-Balogun, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África.
Para Mahmood, a lição de numero 1 que Nollywood pode dar ao mundo é a de buscar um estilo que favoreça a sua própria cultura para dialogar com as características da população. E para isso, não se pode depender de um único modelo ou da ajuda financeira do governo. Há uma semana, o presidente nigeriano Goodluck Jonathan anunciou que fará um fundo de US$200 milhões de dólares na indústria, mas, enquanto isso, eles não estão de braços cruzados.
– Nós absorvemos uma grande audiência na TV. Vocês deveriam pensar nisso. É como o slogan da Nike: “Just do it” (Apenas faça!). O mercado está onde as pessoas estão, e se você tem medo de dizer alguma coisa, então não pode ser cineasta, não pode produzir um filme. O que vocês estão esperando? – pergunta.
O mérito dos nigerianos não é apenas pelo modelo de produção e de distribuição que criaram na indústria cinematográfica, mas pela coragem, pela ousadia. Eles não dependem da lei, editais públicos, fundo setorial ou patrocinadores privados para executar o seu projeto de filme. Eles minimizam gastos, reduzem a equipe, buscam alternativas, mesmo que isso comprometa a técnica. Em muitos casos, eles contam com o retorno financeiro da venda (em grande quantidade), que cobre os gastos e alimenta a próxima produção – o segmento cinematográfico nigeriano chega a produzir 200 filmes por mês no país.
Confira a primeira reportagem sobre Nollywood: o cinema da África que criou a sua própria identidade
– Com o estabelecimento da indústria, agora já estamos fazendo merchandising nos filmes. Isso dá uma garantia maior para os produtores e permite que eles invistam mais tecnicamente no filme – destaca.
O cineasta é diretor de sucessos como “A Place Called Home” (1999) e “Tango with me”, que foi exibido em salas de cinema de Londres e considerado o filme de Nollywood mais bem-sucedido de 2011. O último título é um drama que aborda duas questões delicadas na Nigéria: o estupro e o aborto. Na obra, uma mulher é estuprada por um grupo de criminosos que invade seu quarto de hotel em plena noite de núpcias.
– Muitas pessoas não falam sobre isso. As vítimas e a família sofrem em silêncio. Muitas mulheres que são estupradas ficam grávidas e não abortam por conta da não aceitação social. Essa é uma escolha da mulher, que a sociedade não deveria interferir. No filme, é ela quem escolhe – conta, completando que a Nigéria é um país muito religioso, e que esse peso acaba caindo sobre as decisões.
Corrupção, estupro, criminalidade, prostituição
Os temas que norteiam a segunda maior indústria cinematográfica do mundo (em produção) são: entretenimento, religião, folclore e questões polêmicas que pousam sobre o cotidiano nigeriano como corrupção, estupro e prostituição.
Zeb Ejiro, diretor de sucessos de Nollywood como “A night in Philipines” (2005), Extreme Measure” (2003) e “Domitilla” (1996), conta que faz seus filmes para os cinemas, para TV e para o DVD com a intenção de trazer à tona reflexões sobre pontos que precisam ser discutidos na sociedade.
– Para mim, os filmes são importantes para você ajudar a corrigir as pessoas, o comportamento, o governo… Se há algo de errado acontecendo, temos que falar. Domitilla fala sobre a prostituição, um comércio que não é permitido na Nigéria – conta, em entrevista ao Por dentro da África, sobre o filme considerado um grande sucesso na indústria nigeriana.
Ejiro, que também coordena a Film and Broadcast Academy, é chamado de sheik em seu país porque foi um dos entusiastas a organizar um mercado que crescia desordenadamente. Com a sua produtora e investimentos provenientes do sucesso de seus videos na TV, ele ajudou a formular a indústria dos VHS, que migrou para o DVD anos depois.
– Os filmes também servem para propagar uma mensagem tocando em outro ponto como o HIV. Queremos dizer que o telespectador não pode dormir com muitas pessoas. Se ele fizer isso, precisa se proteger, senão vai contrair o vírus e poderá morrer. Podemos fazer muitas coisas pelo país e ajudar a melhorar algumas coisas – afirma o diretor, que acredita que os filmes podem ajudar a mudar as mentes e forçar o governo a cometer menos erros.
– Tenho esse comprometimento social e, no final das contas, é sobre esse tipo de filme que eu quero falar.
Homossexualidade: tabu para Nollywood
Mesmo falando sobre os obstáculos sociais, preconceitos e tabus que a sociedade precisa vencer, uma questão não aparece na lista de interesses dos diretores que conversaram com o Por dentro da África.
No país, a homossexualidade é considerada ilegal com punição que pode chegar a 14 anos de prisão. Em março de 2006, 16 grupos internacionais de direitos humanos assinaram um documento condenando a lei, alegando que a mesma é uma violação ao direito de liberdade.
– Homossexualidade é uma realidade no mundo dependendo de que lado da moeda você está. Eu sou cristão e acredito que o homem é para mulher e mulher é para homem. Não queremos falar em direitos dos gays: eu não vou encorajar isso – disse Mahmood.
Em setembro do ano passado, o ator Bestwood Chukwyemeke foi condenado a 3 meses de prisão por se relacionar com uma pessoa do mesmo sexo. A punição reflete um comportamento social que explica a dificuldade em encontrar ativistas e cineastas que queiram abordar o tema em suas obras.