“Não há colonização chinesa na África”, diz especialista sobre a relação entre a China e o continente africano

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Chineses trabalhando na construção do estádio nacional de Moçambique, em 2009 - Natalia da Luz

Natalia da Luz, Por dentro da África

Rio – Com mais de um milhão de chineses e 2 mil empresas chinesas atuando ao redor do continente africano, o gigante asiático deve parte do seu crescimento (que ruma para a primeira economia mundial) aos recursos naturais africanos, que estimulam o motor do país mais populoso da Terra. Do outro lado da balança, em um complexo composto, estão estradas, escolas e toda a infraestrutura necessária para manter os africanos mais conectados à aldeia global. Esse elo capitalista é responsável pelo crescimento da África (que hoje supera os 5% na região Subsaariana) e o da China, que superou os 7% (apesar de expressivo, o menor desde 1999). Esse modelo de negócio China-África avançou a largos passos na última década, fazendo com o que pontos de vista variem da parceria à colonização.

– Colonização é quando você impõe uma ideia, quando você suga de um lado para abastecer o outro. A relação entre China e África é muito mais do que isso e leva muitos benefícios para o continente – disse em entrevista ao Por dentro da África, He Wenping, pesquisadora sênior em estudos africanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais e pesquisadora visitante do BRICS Policy Center.

Wenping lembra que a relação que os chineses têm com o continente é a mesma mantida com outros países, como Austrália, onde a China compra recursos naturais e vende manufaturados. Apesar dos vultosos investimentos que partem da China para os países africanos, apenas 25% são absolutamente chineses e financiados por bancos da China. A maioria é contrato de construção.

Volume de negócios entre China e África nos últimos 12 anos No último ano, segundo informações do governo, o volume de negócios entre China e África foi de US$200 bilhões, vinte vezes o valor negociado em 2000, 12 anos atrás. Desde 2009, a África é a parceira numero 1 do país de 1.3 bilhão de habitantes, que necessita de matérias-primas para alimentar as suas indústrias.

Quando a China conheceu a África

A China encara a África como uma prioridade, não é de hoje. Segundo Wenping, o start nas relações modernas foi durante a Conferência de Bandung, na Indonésia, no ano de 1955. Foi o maior encontro até então envolvendo representantes africanos e asiáticos. Vinte e nove países participaram da reunião que teve o objetivo de promover a economia entre a Ásia e África, em busca de cooperação, na contramão da colonização. Na frente diplomática, a África também foi usada como um degrau para a China chegar ao lugar de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, em 1971.

He Wenping em pesquisa no Centro de Estudos dos BRICs da PUC - Rio - Foto: Natalia da Luz – O motivo do crescimento dos anos 2000 é que lançamos um novo mecanismo de cooperação com foco em novos negócios entre os pólos, um específico plano de ação para comercializar diferentes produtos como petróleo, frutas, vinho, cacau, café, coltan – disse a especialista lembrando que o Fórum de Cooperação África-China, iniciado em 2000, gerou visitas de autoridades chinesas em massa, na busca por investimentos e novos negócios.

– A África está ganhando novos parceiros em vez de permanecer com os tradicionais, geralmente seus colonizadores. No ano passado, a China doou à União Africana um prédio de 20 andares em Adis Abeba, na Etiópia. O local também servirá de base para treinamento de recursos humanos – informou, contrapondo o desafio de uma relação que também encontra muitos problemas pelo caminho.

Relações de trabalho 

Em algumas regiões africanas, o aumento da migração chinesa vem causando um sentimento de rejeição ou xenofobia por parte da população local. Há vários registros onde a relação de trabalho ficou bem tensa, como em agosto de 2012, na Zâmbia, quando um gerente chinês de uma mina de carvão foi morto por trabalhadores que pediam aumento salarial.

Africanos trabalhando na construção do estádio nacional de Moçambique, em 2009 - Natalia da Luz A ONG Human Rights Watch é uma das organizações que denunciam a atitude de algumas empresas de mineração que desrespeitam leis trabalhistas e ignoram regras de segurança. Outro ponto causador de conflitos é a quantidade de chineses que formam o staff das empresas. Há uma reclamação constante vinda dos africanos sobre o número de trabalhadores chineses.

– Nós estamos encorajando as empresas a contratarem mais trabalhadores locais. Temos muitos desafios pela frente. Essa relação cresceu muito rápido nos últimos anos, e temos que analisar os problemas que vêm acontecendo. A maioria das empresas trabalha muito bem, mas outras não. Crescemos com diferentes stakeholders (público interessado que participa da negociação). Antes, era muito simples; agora, são múltiplos. Muitos indivíduos vão para a África, e isso acaba fugindo do controle do governo. Nós não sabemos da existência de todos os negócios.

O presidente de Botsuana Ian Khama disse, em fevereiro deste ano, que quer menos contratos e empresas chinesas operando em seu país, uma prova de que o convívio entre eles não anda muito bem.

Wenping, que fez parte do Conselho Chinês para Pesquisa de Assuntos Africanos, ressalta que uma das prioridades desta relação para o governo é aprimorar a comunicação entre as pessoas, ainda muito precária. Essa deficiência na relação interpessoal acaba produzindo desentendimentos, insatisfação e intolerância.

Chineses trabalhando na construção do estádio nacional de Moçambique, em 2009 - Natalia da Luz – Precisamos nos comunicar diretamente. Para isso, há uma comitiva com voluntários de diferentes habilidades nesta área para estreitar esse contato com os africanos. A China vem aumentando o número desses jovens com expertise em trabalhar e ensinar essas pessoas em seu convívio diário, comentou.

É muito fácil se deparar com críticas negativas em relação às atividades da China na África, e não tão fácil encontrar julgamentos negativos sobre a atuação do Brasil no continente, por exemplo. Wenping chama de curiosa essa troca e tenta descobrir o segredo de uma aproximação que gere menos tensão, como a do Brasil com o continente africano.

A especialista acredita que esse convívio é mais próximo quando ela observa o Brasil e que, agora, a China está fortalecendo programas na área da educação com construção de escolas e oportunidades de africanos estudarem e trabalharem na China. Há uma feroz crítica em relação aos contratos que seriam injustos, uma vez que os recursos naturais, como o petróleo, tomariam o caminho da Ásia a preços muito baixos, que beneficiariam muito mais a China do que a África.

– Não podemos subestimar o poder e a habilidade dos africanos em fazer negócios. A China constrói o que é de utilidade para eles, e eles vendem no valor que também for vantajoso para o país. É um negócio no qual eles (os africanos) são também muito espertos e habilidosos.

Segurança e questões humanitárias 

Para um país que parece tão comprometido em desenvolver uma região, seria oportuno também que se dedicasse à manutenção da paz, à redução  dos conflitos em locais onde a instabilidade e a ameaça à paz são diárias. Dentre os territórios que respiram essa insegurança, estão três grandes parceiros comerciais da China, como a República Democrática do Congo, Sudão e Sudão do Sul.

Fórum de Cooperação China África 2012 - ONU

Perguntada sobre a participação chinesa nesse quesito, a professora conta que a filosofia chinesa é a de não-intervenção, de não-interferência em assuntos internos.

– A China não concorda em intervir, em invadir um país durante um confronto interno. O nosso papel seria em ajudar a reconstruir os países que passaram por revoluções, golpes, guerras. Por outro lado, estamos treinando muitos chineses para missões de paz. Hoje, a China forma o maior número de mantenedores de paz, sabia?

Ainda sobre as intervenções, há exemplos positivos como o Mali, onde grande parte da população agradeceu a ida da missão francesa neste ano para o estabelecimento da segurança em diferentes regiões do país. Do outro lado, está o Iraque, que, há 10 anos, sofreu uma invasão programada dos Estados Unidos contra a vontade de grande parte da população, que hoje vê 100% do seu petróleo privatizado.

Futuro das relações 

Chineses trabalhando na construção do estádio nacional de Moçambique, em 2009 - Natalia da Luz Dentre os negócios previstos para o futuro, estão projetos de energia renovável, uma nova fronteira para a China que, segundo dados do governo, conta com 100 projetos de energia limpa no continente para desenvolver o potencial energético sem danos para o meio ambiente.

No último Fórum de Cooperação China-Africa, realizado em Pequim no ano passado, o presidente chinês Xi Jinping anunciou a liberação de US$20 bilhões de dólares em crédito para os países africanos.

– Eu estou muito otimista. É claro que temos muitos desafios, mas estamos corrigindo os problemas. Acho que será uma boa relação para o futuro. O novo presidente fez um  tour pelo continente; a África continua sendo uma prioridade para a China.

Por dentro da África