População perde horas em filas para comprar alimentos mais baratos
Fernando Guelengue e Natalia da Luz
De Luanda – Uma grave crise econômica tem levado angolanos a formarem filas nas portas dos supermercados e a racionarem os alimentos. Há semanas, esse cenário pode ser visto em todo o país revelando uma crise que se agrava a cada dia. A moeda do país vale hoje 166 kwanzas por cada dólar norte-americano.
-Antes, cada pãozinho francês custava 10 kwanzas, hoje está mais de 40 kwanzas. Os supermercados estão cada vez mais vazios. Há escassez de alimentos, e as mercearias só vendem duas unidades por pessoas, ou seja 2kg de arroz, 2kg de açúcar, 2 litros de óleo… Antes, o quilo de arroz custava entre 150 e 200 kwanzas, hoje, chega a 1000 kwanzas. O frango que custava 400, hoje está 2000 kwanzas – contou ao Por dentro da África o ativista angolano Roberto Varela.
O angolano ainda lembrou que a corrida aos mercados que oferecem produtos mais baratos acontece o tempo inteiro em Luanda, na capital. Em outras províncias, ele diz que o cenário é ainda pior… Na província do Cunene, por exemplo, as pessoas estão indo comprar a cesta básica na Namíbia.
-O governo angolano está sem solução pra acabar com a crise. Aqui, cada um tenta se salvar como pode. Infelizmente, hoje em dia o angolano só trabalha pra comer. Não há nenhuma organização de fora que tenha se comprometido. Para economizar, estamos fazendo apenas uma refeição por dia. O preço do pão sobe todos os dias. Aqui já não se come o pão… No pequeno almoço preferimos trocar por batata doce e mandioca. Comer o pão no pequeno almoço é um luxo – ressaltou Roberto.
Atualmente, o mercado que consegue vender mais barato é o Shoprite, onde os consumidores fazem fila por 3, 4 horas. Baseado na África do Sul, o maior grupo de supermercados do continente africano compra produtos em grandes quantidades e consegue enviá-los da África do Sul para Angola via terrestre.
O cenário caótico em Angola também inclui a alta da taxa de desemprego, baixo poder de compra da população, aumento de preços das mensalidades nas universidades e nas instituições de educação e saúde e alta dos preços dos combustíveis.
Morador do Cazenga há mais de 20 anos, Carlos da Cruz perdeu algumas horas na fila do supermercado, na estrada de Catete. Antes disso, ele ficou mais de 4 horas preso em um engarrafamento.”Cheguei por lá e encontrei os preços dos produtos mais baixos, o que me levou a ficar em uma fila com mais de 300 pessoas. No interior do supermercado, não permitiam comprar em grande quantidade. Todos têm uma cota”, disse o Carlos.
Por dentro da África foi até o município de Cacuaco para ver o dia-a-dia de uma família tradicional e compreender o impacto da crise nas suas vidas. Marta Sebastião Felengue vive com quatro filhos, dois sobrinhos, a avó materna e uma cunhada. Com 35 anos, ela ganha a vida vendendo carne abatida no mercado do Kicolo.
– Os meus dois filhos mais velhos que estavam praticamente terminando o ensino médio tiveram de interromper as aulas por causa do aumento da mensalidade. Com a subida do dólar ficou insustentável conseguir equilibrar as contas, principalmente dos mais pobres – disse a angolana.
Em uma ronda feita neste sábado em Luanda, foi possível perceber que os preços variavam bastante. O quilo de fubá de milho que custava 100, estava por 500 kwanzas; o açúcar que custava 100, atualmente custa 600; a massa de macarrão que era 75, agora é 350; a massa de tomate que era 30 kwanzas, agora custa 100.
De acordo com o diretor do Centro de Estudo de Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola (UCAN), Alves da Rocha, relatórios de 2009 e 2010 já antecipavam que o país estava entrando em uma fase de desaceleração estrutural do crescimento. Na última terça-feira, durante apresentação do relatório 2015, em Luanda, Alves da Rocha disse que ainda não há medidas eficazes que combatam esta situação de retrocesso econômico.
O investigador social Osvaldo Silva lembrou que há uma insuficiência de informação estatística disponível em relação ao comportamento dos principais indicadores sociais, em 2015.
“É possível assegurar que o país registrou uma deterioração generalizada das condições de vida da população e um agravamento no déficit de participação democrática”, frisou o acadêmico, sustentando que o PIB aumentou apenas 2,8%. De acordo com o Banco Mundial, a previsão de crescimento do país caiu de 2,8 para 0,9%. Em 2014, o índice foi de 4,8%.
Crise econômica e o petróleo em Angola
– Mais de 90% das entradas no orçamento do governo angolano vêm do petróleo. Com a queda do preço do barril, Angola sofre com a escassez de divisas. Acaba sendo impossível usar esse dinheiro para atender às necessidades do país, disse, em entrevista ao Por dentro da África, o economista Jorge Divua.
Jorge destaca que a capacidade de produção do país é muito fraca e que, enquanto a Árabia Saudita, por exemplo, gasta 7 dólares para extrair e produzir petróleo, em Angola, esse valor pode superar os 35 dólares! Então, quando o preço do barril está baixo, o lucro do país é quase nulo. Hoje, por exemplo, o valor do barril está 45,6 dólares para compra e venda.
Apesar da queda dos preços do petróleo, segundo o Banco Mundial, a produção teve um aumento de 5,7% em 2015, comparativamente a um declínio de cerca de 2,6% em 2014.
-O grande problema é que Angola tem uma capacidade de produção muito fraca. Nos anos em que o barril estava acima dos 100 dólares, Angola não investiu na capacidade de exploração; investiu em consumo – criticou o economista.
Dados do Banco Mundial lembram que o preço médio do petróleo bruto de Angola era de USD 104 no terceiro trimestre de 2014, tendo caído para USD 85 no quarto trimestre. A produção de petróleo de Angola oscilou em torno de 1,7 milhões bps/dia nos últimos cinco anos, enquanto a meta de longo prazo é de 2 milhões bps/dia. Depois de ter atingido o pico em 2010 – 1 786 milhões bps/dia –, a produção caiu ligeiramente para 1 660 milhões bps/dia em 2014.
Angola e Nigéria são os países que mais produzem petróleo na África. Nos últimos meses, os angolanos ultrapassaram a exploração dos nigerianos. Atualmente, a produção angolana está em 1,7 milhão de barris por dia.
– Essa crise que reflete na alta da inflação também pode ser vista no Gabão, na Nigéria, Guiné Equatorial… Esse é o caso comum de todo o pais africano que não investe na capacidade industrial – destacou o economista.
Outra fonte de divisas do país vem do diamante, mas, em Angola, segundo o economista, o problema é que mais de 40% dos diamantes desaparecem do sistema, nem tudo passa pelo Estado. Jorge diz que apenas 300 milhões de dólares são declarados, mas acredita-se que a exploração gere mais de 800 milhões de dólares.
O governo, por meio do Ministério das Finanças, decretou, recentemente, a redução dos preços, mas o cenário continua o mesmo. Na semana passada, o presidente angolano José Eduardo dos Santos exigiu que o Banco Nacional de Angola (BNA) encontre soluções para resolver as dificuldades financeiras no país. Apesar da forte crise, há pouca mobilização por parte da população. Isso porque, segundo Roberto, todos estão com medo de se manifestarem porque o atual regime persegue, reprime e até mata quem fala mal.
– O Banco Central não tem capacidade de comprar dólares para atender a demanda local. A emissão de notas só pode ser feita em moeda local, mas quando um banco emite notas sem produtividade, ele cria uma mega inflação, A única solução, nesse momento, que consigo enxergar será ir até o FMI pedir um empréstimo, mas o FMI pediu exigências que não foram cobertas pelo governo angolano – completou o economista Divua.