Identidades, nação e futebol na Nigéria: Espírito Naija na Copa do Mundo

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Por Giovanni Mannarino, Por dentro da África 

Na próxima edição da Copa do Mundo da FIFA (que será realizada em junho), os Super Eagles – como é chamada a seleção nacional da Nigéria – utilizará um uniforme em homenagem à seleção de 1994, primeira do país a se classificar para o torneiro.

Amokashi comemora o gol no jogo da primeira fase contra a Bulgária na Copa do Mundo de 1994
Amokashi comemora o gol no jogo da primeira fase contra a Bulgária na Copa do Mundo de 1994

De acordo com o diretor de design responsável pela criação, Dan Farron, a Nike desejava desenvolver um uniforme que refletisse a atitude da nação: “Criamos esse kit baseado nas identidades dos jogadores… Começamos a ver tendências em atitude e energia entre os atletas e também na música, na moda…”

Os criadores tentaram mesclar o que eles chamaram de “puras características da Nigéria contemporânea”: audácia, rapidez, alegria e estilo. A combinação desses atributos estimulou a nova designação que os nigerianos utilizam para nomear sua pátria: Naija.

Imagem de divulgação
Imagem de divulgação

O termo “Naija” é uma maneira informal de chamar a Nigéria, que reflete a pronúncia em inglês pidgin do nome da nação. Além disso, a expressão faz referência ao otimismo de uma nova geração em relação ao futuro do país, celebrando sua cultura vibrante e múltipla, com mais de 500 línguas. É deste conjunto de ideias que surge também a “moda naija”, influenciada por Nollywood (indústria cinematográfica nigeriana) e pelo afrobeat.

A coleção dividiu opiniões. O jornal britânico Mirror, por exemplo, colocou a camisa nigeriana no topo do ranking das mais bonitas. Outras análises, como a do jornalista nigeriano Adeyemi Adesanya, criticam o uniforme afirmando que, mais uma vez, a marca fez uso errado das cores nacionais utilizando um tom de verde diferente daquele da bandeira do país: “Essas não são nossas cores. Por que a Nike sempre faz isso? Eles fizeram o mesmo em 2002 com o seu verde limão”.

Uniforme verde limão dos Super Eagles na Copa do Mundo de 2002, quando o material esportivo da equipe também foi produzido pela Nike.
Uniforme verde limão dos Super Eagles na Copa do Mundo de 2002, quando o material esportivo da equipe também foi produzido pela Nike.

O verde escuro, cor tradicional do uniforme dos Super Eagles e da bandeira da Nigéria, é um dos símbolos nacionais. E em um país em que a unidade sofreu e sofre tantos percalços, esse tema fica ainda mais delicado quando futebol e política se misturam.

Unidade Nacional

Desde sua independência em 1960, a Nigéria vive uma série de obstáculos para consolidar sua unidade nacional. Reivindicações de autonomia regional e disputas entre os vários grupos que compõem o país são uma realidade que remonta ao final do período colonial e permanece como uma questão conflituosa mesmo nos dias de hoje.

O país que faz fronteiras com Níger, Camarões, Chade e Benim, tem mais de 180 milhões de habitantes e 250 grupos étnicos. Os maiores são hauçá, igbó e yorubá. Foi tentando se posicionar sobre o assunto, por exemplo, que o presidente Muhammadu Buhari declarou que “A unidade da Nigéria está estabelecida e não é negociável”. Outros nigerianos, no entanto, discordam, como é o caso do vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 1986, Wole Soyinka, que afirmou que “Qualquer coisa é negociável. O direito das pessoas de determinar seu futuro é que não é negociável”.

Nesse sentido, parece que uma identidade nacional nigeriana ainda vive disputas para se consolidar e o esporte talvez seja uma das ferramentas acionadas para refletir sobre a unidade, tentando superar divisionismos regionais e étnicos no país. Um exemplo aconteceu recentemente quando a delegação nigeriana feminina de skeleton e bobsled que seguia para a Olimpíada de Inverno (disputada neste ano em PyeongChang, Coreia do Sul) declarou que o país precisava superar os “divisionismos” e permanecer “unido”, sendo o esporte um “grande exemplo” para isso.

Jogadores nigerianos treinando em Londres antes do amistoso contra a Sérvia realizado no dia 27 de março de 2018.
Jogadores nigerianos treinando em Londres antes do amistoso contra a Sérvia realizado no dia 27 de março de 2018.

O futebol provavelmente será perpassado por estas dinâmicas na Nigéria. Os jogos dos Super Eagles são ocasiões onde as diferenças étnicas/regionais que afastam as pessoas são deixadas de lado e os nigerianos se juntam para torcer pelo país. Nesse sentido, um uniforme “ousado” – com objetivos comerciais – acabou envolvendo alguns símbolos nacionais. Se por um lado a escolha do verde limão foi polêmica, por outro, a valorização do “espírito naija” parece ter sido um grande acerto por ser uma identidade reivindicada pela população.

*Copa da Rússia
A seleção nigeriana de futebol será uma das representantes do continente africano na Copa do Mundo da Rússia de 2018. Sua estreia está marcada para o dia 16 de junho contra a Croácia em Kalingrado. Os Super Eagles estão no grupo D, do qual também fazem parte as seleções da Argentina e Islândia.

*Giovanni Mannarino é mestre em História pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro