Natalia da Luz – Por dentro da África
Rio – Com mais de 80 milhões de habitantes, o Egito é o país mais populoso do mundo árabe. Vizinho da Líbia, Sudão, Faixa de Gaza e Israel, a nação africana vive um momento bem conturbado. Dois anos após ter deposto o ex-ditador Hosni Mubarak (que estava há 30 anos no poder), o seu novo presidente, Mohamed Mursi, eleito há um ano, foi destituído do cargo, atingindo o ápice de uma sequência de manifestações onde Forças Armadas, governo e população se enfrentaram.
– Eu não estou certo de que o país está separado em apenas três peças, acho que há uma abundância de representantes. Durante os últimos dias, antes do início da grande manifestação de 30 de junho, a crise econômica se intensificou com a falta de combustível. Além disso, o assassinato de quatro xiitas trouxe tensão ao governo – conta em entrevista exclusiva ao Por dentro da África o especialista egípcio em Relações Internacionais Jean Marcou.
De acordo com o relatório do Programa Mundial de Alimentos (PMA) e da Agência Central de Mobilização Pública e das Estatísticas no Egito (CAPMAS), estima-se que 13,7 milhões de egípcios (17% da população) estiveram submetidos à insegurança alimentar em 2011, um aumento de 3% desde 2009. Os resultados mostram que famílias mais pobres gastam mais da metade de sua renda média em comida, e muitas vezes compram os alimentos mais baratos e menos nutritivos. A desnutrição está em alta, com 31% das crianças com menos de cinco anos de idade raquíticas, em comparação aos 23% em 2005. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a taxa alta a partir dos 30%.
A instabilidade política, que desde a Primavera Árabe (a revolução no Egito foi em janeiro de 2011) já era uma realidade, aumentou, afastando investidores. Com a ascensão da dívida pública, do desemprego e da inflação, a população voltou às ruas. Nos últimos meses, foram inúmeros protestos em todo o país opondo defensores e opositores do presidente eleito há um ano. Desta vez, as ruas foram tomadas, principalmente, sob o controle dos militares.
– É difícil dizer que todo o protesto foi provocado pelos militares, mas o sucesso da manifestação de 30 de junho deu a eles a legitimidade para interferir novamente no jogo político. De qualquer forma, houve um enorme descontentamento contra Mursi, e os participantes foram mais numerosos do que durante a revolução de 2011… As pessoas perderam definitivamente o medo – destacou o professor da Universidade de Grenoble, na França.
Os protestos também fazem parte de uma campanha que recolheu assinaturas de egípcios em todo o país para pressionar a renúncia do presidente. Segundo os organizadores, 22 milhões de egípcios aderiram — quase metade do número total de eleitores —, superando os 13 milhões de votos que elegeram Mursi.
Posição radical e o início de uma nova ditadura?
A posição do Exército vem sendo considerada muito radical, e o perigo é de que a situação piore, acirrando a relação entre as Forças Armadas e o governo. Jean acredita que Mursi formalmente tentará resistir à decisão dos militares para substituí-lo por um governo interino. Isso, segundo o especialista, significaria o reconhecimento do seu fracasso…
– Eu acho que os militares não tentaram exibir um golpe clássico, mas legitimar a sua interferência na situação atual. O pessoal em geral tem de levar em conta a preocupação de que os EUA oferecem 1,5 mil milhão de dólares por ano para o país. De qualquer forma, como a Irmandade Muçulmana decidiu resistir e, por muitas vezes, usar a violência, os militares se sentem no direito de deter seu líder e membros.
Governança e islamismo
Mursi dirigia o Partido da Justiça e a Liberdade (PLJ), vitrine política da Irmandade Muçulmana, o mais poderoso do país, com quase metade dos assentos do Parlamento. Militante de um grupo anti-Israel, o Comitê de Resistência ao Sionismo, dedicou a maior parte de suas atividades à Irmandade Muçulmana. Em 2012, aos 60 anos, ele era indicado como o “único candidato com programa islamita”, defensor de um “projeto de renascimento” baseado nos princípios do Islã.
Nos últimos atos públicos, antes de sua eleição no Cairo, milhares de participantes gritavam o nome de Mursi utilizando o lema “Queremos Mursi como presidente!”. Meses depois, as pessoas pediam a sua renúncia, na busca por uma nova era para o país. De acordo com o professor do Instituto de Estudos Políticos de Grenoble, economicamente, Mursi deveria tentar primeiro restaurar as receitas do turismo para dar confiança aos potenciais investidores.
“A Primavera Árabe precisava acontecer. Era a luta pelo futuro”, diz especialista
– Na verdade, mais do que as ideias religiosas da Irmandade, o problema é de governança de Mursi. Eu não acho que as críticas sobre ele dizem respeito apenas à religião. Ele não foi capaz de criar a confiança entre os parceiros políticos. Depois de demitir o ex-chefe de gabinete, Marshall Tantawi, ele lançou sua nova Constituição e deu a impressão de que ele queria fortalecer seus próprios poderes – explicou Marcou formado em Economia e Ciências Políticas pela Universidade do Cairo.
Sobre o futuro do país, Jean ressalta que é difícil propor soluções, porque não é certo que tipo de alternativa real e eficaz existe no momento, mas uma nova eleição parece um bom caminho.
– Tem havido um monte de eleições desde a revolução na década de 50 e ainda não vimos resultados concretos. Acho que a única solução seria encontrar um compromisso entre as principais forças políticas, a fim de reiniciar a economia e estabilizar os conflitos políticos.
Por dentro da África