África nas Olimpíadas: Abebe Bikila – O mais “pé no chão” dos medalhistas

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Abebe Bikila - Olympic
Abebe Bikila – Olympic

Por André Carlos Zorzi, Por dentro da África

A história de Bikila se deu início quando o governo da Etiópia contratou o treinador finlandês Onni Niskanen para garimpar talentos em potencial do atletismo no país. Em uma de suas andanças, prestou atenção em Abebe, que era soldado da guarda imperdial de Haile Selassie, imperador da Etiópia ao início do século passado.

A ida do corredor para a Olimpíada de Roma-1960 não estava prevista inicialmente. Ela só foi possível graças a uma lesão de Wami Biratu, que forçou o treinador a levar Bikila como substituto, já que, à época, ainda não era um atleta de primeiro escalão.

Sem conseguir encontrar sapatos adequados e confortáveis para seus pés, Bikila preferiu correr descalço. O que nem sempre é citado é que não foi o único a fazê-lo: Outros quatro participantes da prova também correram, literalmente, com os pés no chão.

Curiosamente, a maratona foi disputada à noite, já que fazia muito calor na Itália à época. Ao início da prova, os termômetros marcavam 26ºC. Para evitar a escuridão, soldados italianos seguravam tochas ao longo de todo o percurso.

Abebe-Bikila-on-Rome-Marathon
Abebe-Bikila-on-Rome-Marathon

Conforme a prova foi ocorrendo, Bikila conseguiu se distanciar da maioria dos corredores, disputando apenas com o marroquino Rhadi Ben Abdesselam, que cruzou a linha de chegada 25s depois dele. Dois minutos atrás, veio o neozelandês Barry Magee. Curiosamente, o soviético Sergey Popov cruzou a linha de chegada em 5º, mas comemorou como se tivesse sido 3º e garantido o bronze. Ele havia visto o corredor da Nova Zelândia abrir distância dele e do 4º colocado, mas não fazia ideia de que os africanos já haviam aberto tanto tempo de vantagem.

Ao término da prova, Abebe comentou que a maratona não havia sido tão difícil quanto haviam lhe falado, já que estava acostumado a marchas e corridas em seu país natal, o que fez com que o calor não lhe afetasse, e nem a ausência de sapatos, uma vez que ele costumava realizar treinamentos descalço.

Desta forma, Bikila havia se tornado não apenas o primeiro etíope, mas também o primeiro africano negro, e o primeiro cidadão da África Subsaariana a conquistar uma medalha olímpica.

Selassié
Selassié – Divulgação

Algum tempo depois, participou de uma tentativa de golpe que visava tomar o poder das mãos do imperador, que acabou fracassando. Bikila tentou fugir do país, mas, ao final das contas, acabou recebendo perdão do próprio Selassié, e voltou a correr. Conseguiu se classificar novamente para as Olimpíadas, em Tóquio-1964. Quarenta dias antes da prova, porém, passou mal enquanto treinava na cidade de Addis Abeba, e teve de passar por uma cirurgia de apendicite.

Apesar das dificuldades para a recuperação à época, ele viajou para o Japão com o restante da delegação, e participou da corrida. Quando muitos acreditavam que não repetiria o mesmo desempenho de quatro anos antes, sagrou-se novamente medalhista de ouro, com expressivos 4m08s de vantagem para o segundo colocado. De quebra, estabeleceu o recorde mundial de 2h12m11s2 – desta vez, utilizando sapatos. Ao voltar para sua terra natal, foi premiado com um fusca, carro considerado caro e moderno à época.

Anos depois, classificou-se novamente para a maratona da Olimpíada da Cidade do México-1968, mas sofreu uma contusão no joelho, e teve seus treinamentos e condição física prejudicados. Desta vez, não houve surpresa, e o etíope não conseguiu terminar a prova, justamente por conta das dores relativas à sua lesão.

Em uma triste ironia do destino, no ano seguinte Bikila se envolveu em um grave acidente de carro, capotando justamente o fusca com o qual havia sido presenteado. Como resultado, nunca mais conseguiu se mexer da cintura para baixo. Foi convidado a participar da cerimônia de abertura dos jogos de Munique-1972.

No ano seguinte, veio a falecer, ainda jovem, aos 42 anos de idade. A cerimônia de seu enterro atraiu cerca de 75 mil pessoas na Etiópia.