Herança do Império do Kongo: reconhecimento de M’banza-Kongo beneficia a humanidade

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Reprodução do mapa do matemático e pesquisador italiano Filippo Pigafetta,  - 1591Natalia da Luz – Por dentro da África

Rio – Um reino que crescia e influenciava parte da África, no século XIII, representa uma civilização de riqueza cultural inestimável.  Formado inicialmente por 144 tribos, esse Império construiu a história e cultura de países como Angola, Congo, República Democrática do Congo e Gabão. Na semana passada, Angola reconheceu parte desse território como patrimônio nacional, dando um largo passo para a valorização de sua própria história.

Cidade de Mbanza Kongo - Foto: Governo de Angola– O reconhecimento do Mbânz’a Kongo é positiva para o mundo, e não apenas para Angola. Milhares do Kongo foram escravizados e levados para as Américas e Europa, por exemplo. O patrimônio da humanidade é material (sítios arqueológicos, monumentos históricos, etc.) e imaterial (línguas, danças, religião, etc.). Por um lado, esse reconhecimento criará condições para rentabilizar o turismo e a pesquisa; por outro, auxiliará nas sobrevivências religiosas de países como Brasil, Cuba e EUA, que também se beneficiarão com essa classificação – conta em entrevista exclusiva ao Por dentro da África Patrício Batsikama, especialista no Reino do Kongo, que há quase duas décadas se debruça sobre essa parte da nossa História.

Como o antropólogo angolano lembrou, o reconhecimento de uma região que faz parte da província do Zaire é um prêmio para a humanidade, já que os descendentes do reino do Kongo foram espalhados pelo mundo inteiro durante cerca de 500 anos. Em relação à Angola, Patrício destaca que o presidente do país, José Eduardo dos Santos, tem a ideia de dignificar a vida social local, criando empregos para aumentar a  autoestima local e instituições acadêmicas para qualificar o capital humano.

Foto: Ministério da Cultura de Angola – Isso se chama desenvolvimento e passa a ser, de certo modo, um ganho interno (angolano). Agora, cabe ao governo provincial materializar isso. Em relação à historiografia da região, eu acho que a Universidade Onze de Novembro será obrigada a criar um curso de História ou de Antropologia, além de fundar um centro de pesquisas e buscar professores para sustentar a qualidade e a excelência dos quadros que  formará – opinou.

“Mbânz’a Kôngo: Patrimônio Nacional”

Esta ação em preservação da memória produz muitos desafios em diferentes setores da sociedade. Um fator importante é a necessidade urgente de reunir técnicos da área e a elite cultural da região para criar um diálogo pPaulino Damião - Portal de Angolaermanente.

A ministra angolana da Cultura, Rosa Cruz e Silva, encorajou os pesquisadores e historiadores a multiplicarem os trabalhos para alcançarem resultados que permitam o reconhecimento do Centro Histórico de Mbanza Kongo.

No plano econômico, Patrício destaca que há quatro potências na província do Zaire: capital humano (empobrecido pelo próprio governo local), mineral (gás e petróleo), agrícola (a região favorece a agricultura, a força camponesa) e histórica, já que Mbânz’a Kongo não pertence apenas aos angolanos.

Em Angola, destaque para Mbanza Kongo– Se por um lado algumas repúblicas vizinhas estão ligadas, por outro, existe uma herança humana enorme para a Europa e para as Américas. Politicamente, deve-se definir a substância geopolítica da província (para a política externa de Angola). Academicamente, a Universidade Onze de Novembro já se mostrou muito sensível na qualificação do ensino e tem realizado atividades como colóquios e seminários – exemplifica o especialista.

A história do Reino do Kongo

O Reino do Kongo foi um Império que formou culturas na região onde hoje estão os dois Congos (Brazzaville e Kinshasa), Gabão e Angola. Quando falamos de Kongo, a própria palavra significa “Estados Unidos”, ou seja, união, segundo Patrício.

– No século XIII, o Kongo já tinha mais ou menos cinco séculos da existência. Ele abrangia quatro grandes blocos. Neste longo e complexo processo de construção social do passado, essa procura pelas origens reais e históricas é fundamentada em tradições históricas orais que não só explicam a origem da realeza sagrada como também legitimam a organização social estabelecida.

Patrício Batskama em debate - DivulgaçãoO especialista destaca que, de acordo com suas pesquisas sobre a tradição oral analisada, entre os séculos IX e XI, o Kongo já aparecia separado dos territórios meridionais, o que proporcionou um Kongo reduzido no século XI. Aliás, foi este país que o português encontrou.

Segundo o pesquisador, 144 tribos (depois reduzidas a 12 famílias) fundaram o reino. Foram essas 12 famílias que institucionalizaram o “Lûmbu” (órgão detentor do poder), que criou os poderes Militar, Executivo e Legislativo, um sistema muito evoluído que organizou toda a região.

Reconhecimento da identidade com a chegada dos portugueses

– Já no século XIV, e muito antes da chegada dos portugueses, o Kongo estava dividido territorialmente. Aliás, era impossível que um país fundado entre os séculos IV e VI não sofresse dinâmicas cinco séculos depois – afirmou.

Gravura do século XVIII Para Patrício, muitos pensam na grandeza do Kongo por ter sido o reino que o português encontrou com uma organização democrática, com a qual teve vínculos em vários domínios: político, religioso, social, etc. O angolano ressalta que desde 1491, o Kongo sempre resistiu às imposições portuguesas até o seu declínio. Era um reino que negociava com populações de vários outros Estados do interior da África e que ainda recebia tributos.

imagem pigafeta2– Nota-se que o Kongo é moldado por uma civilização avançada. Dieudonné Rinchon informa-nos que havia nas Américas os escravizados oriundos de Kongo e que custavam muito caro porque  aprendiam rápido e facilmente e sabiam ler e escrever, na sua maioria – explica Patricio, que pesquisou em arquivos do Vaticano, Italia, Portugal, Alemanha, Brasil e, principalmente, os arquivos de linguagem oral, fonte de muitas descobertas para ele.

– O povo é dinâmico, e o antigo Kongo já evoluiu para dimensões de Estados modernos, assim como tantos outros antigos reinos. Já imaginaste uma África balcanizada? Seria por fim ao próprio futuro.

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