Natalia da Luz – Por dentro da África
Rio – Um reino que crescia e influenciava parte da África, no século XIII, representa uma civilização de riqueza cultural inestimável. Formado inicialmente por 144 tribos, esse Império construiu a história e cultura de países como Angola, Congo, República Democrática do Congo e Gabão. Na semana passada, Angola reconheceu parte desse território como patrimônio nacional, dando um largo passo para a valorização de sua própria história.
– O reconhecimento do Mbânz’a Kongo é positiva para o mundo, e não apenas para Angola. Milhares do Kongo foram escravizados e levados para as Américas e Europa, por exemplo. O patrimônio da humanidade é material (sítios arqueológicos, monumentos históricos, etc.) e imaterial (línguas, danças, religião, etc.). Por um lado, esse reconhecimento criará condições para rentabilizar o turismo e a pesquisa; por outro, auxiliará nas sobrevivências religiosas de países como Brasil, Cuba e EUA, que também se beneficiarão com essa classificação – conta em entrevista exclusiva ao Por dentro da África Patrício Batsikama, especialista no Reino do Kongo, que há quase duas décadas se debruça sobre essa parte da nossa História.
Como o antropólogo angolano lembrou, o reconhecimento de uma região que faz parte da província do Zaire é um prêmio para a humanidade, já que os descendentes do reino do Kongo foram espalhados pelo mundo inteiro durante cerca de 500 anos. Em relação à Angola, Patrício destaca que o presidente do país, José Eduardo dos Santos, tem a ideia de dignificar a vida social local, criando empregos para aumentar a autoestima local e instituições acadêmicas para qualificar o capital humano.
– Isso se chama desenvolvimento e passa a ser, de certo modo, um ganho interno (angolano). Agora, cabe ao governo provincial materializar isso. Em relação à historiografia da região, eu acho que a Universidade Onze de Novembro será obrigada a criar um curso de História ou de Antropologia, além de fundar um centro de pesquisas e buscar professores para sustentar a qualidade e a excelência dos quadros que formará – opinou.
“Mbânz’a Kôngo: Patrimônio Nacional”
Esta ação em preservação da memória produz muitos desafios em diferentes setores da sociedade. Um fator importante é a necessidade urgente de reunir técnicos da área e a elite cultural da região para criar um diálogo permanente.
A ministra angolana da Cultura, Rosa Cruz e Silva, encorajou os pesquisadores e historiadores a multiplicarem os trabalhos para alcançarem resultados que permitam o reconhecimento do Centro Histórico de Mbanza Kongo.
No plano econômico, Patrício destaca que há quatro potências na província do Zaire: capital humano (empobrecido pelo próprio governo local), mineral (gás e petróleo), agrícola (a região favorece a agricultura, a força camponesa) e histórica, já que Mbânz’a Kongo não pertence apenas aos angolanos.
– Se por um lado algumas repúblicas vizinhas estão ligadas, por outro, existe uma herança humana enorme para a Europa e para as Américas. Politicamente, deve-se definir a substância geopolítica da província (para a política externa de Angola). Academicamente, a Universidade Onze de Novembro já se mostrou muito sensível na qualificação do ensino e tem realizado atividades como colóquios e seminários – exemplifica o especialista.
A história do Reino do Kongo
O Reino do Kongo foi um Império que formou culturas na região onde hoje estão os dois Congos (Brazzaville e Kinshasa), Gabão e Angola. Quando falamos de Kongo, a própria palavra significa “Estados Unidos”, ou seja, união, segundo Patrício.
– No século XIII, o Kongo já tinha mais ou menos cinco séculos da existência. Ele abrangia quatro grandes blocos. Neste longo e complexo processo de construção social do passado, essa procura pelas origens reais e históricas é fundamentada em tradições históricas orais que não só explicam a origem da realeza sagrada como também legitimam a organização social estabelecida.
O especialista destaca que, de acordo com suas pesquisas sobre a tradição oral analisada, entre os séculos IX e XI, o Kongo já aparecia separado dos territórios meridionais, o que proporcionou um Kongo reduzido no século XI. Aliás, foi este país que o português encontrou.
Segundo o pesquisador, 144 tribos (depois reduzidas a 12 famílias) fundaram o reino. Foram essas 12 famílias que institucionalizaram o “Lûmbu” (órgão detentor do poder), que criou os poderes Militar, Executivo e Legislativo, um sistema muito evoluído que organizou toda a região.
Reconhecimento da identidade com a chegada dos portugueses
– Já no século XIV, e muito antes da chegada dos portugueses, o Kongo estava dividido territorialmente. Aliás, era impossível que um país fundado entre os séculos IV e VI não sofresse dinâmicas cinco séculos depois – afirmou.
Para Patrício, muitos pensam na grandeza do Kongo por ter sido o reino que o português encontrou com uma organização democrática, com a qual teve vínculos em vários domínios: político, religioso, social, etc. O angolano ressalta que desde 1491, o Kongo sempre resistiu às imposições portuguesas até o seu declínio. Era um reino que negociava com populações de vários outros Estados do interior da África e que ainda recebia tributos.
– Nota-se que o Kongo é moldado por uma civilização avançada. Dieudonné Rinchon informa-nos que havia nas Américas os escravizados oriundos de Kongo e que custavam muito caro porque aprendiam rápido e facilmente e sabiam ler e escrever, na sua maioria – explica Patricio, que pesquisou em arquivos do Vaticano, Italia, Portugal, Alemanha, Brasil e, principalmente, os arquivos de linguagem oral, fonte de muitas descobertas para ele.
– O povo é dinâmico, e o antigo Kongo já evoluiu para dimensões de Estados modernos, assim como tantos outros antigos reinos. Já imaginaste uma África balcanizada? Seria por fim ao próprio futuro.
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