Resenha de “O choque de civilizações”, de Samuel Huntington

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choquePor João N’gola Trindade, Por dentro da África 

Luanda – Em 1997, a Editora Objetiva publicou em língua portuguesa o livro de Samuel Huntington, intitulado Choque de Civilizações, no qual o autor defende que Estados de valores culturais afins tendem a cooperar na defesa dos seus interesses.

Contrariamente a tendência seguida pelos especialistas que se debruçaram sobre esta obra, a análise que se segue estará virada somente para a abordagem do autor sobre o continente africano que, em sua opinião, não possui uma civilização genuína, isto é, africana, na medida em que o norte de África possui uma civilização islâmica, ao passo que a civilização ocidental chegou ao seu interior no séc. XV com os colonizadores/cristãos (HUNTINGTON 1997:53-54, 168).

O autor acrescenta ainda que a Etiópia possui uma civilização própria, sendo por isso considerada por si como um país isolado de ponto de vista cultural. Por último, afirma que o Ocidente foi a única civilização que terá exercido “um impacto grande – e, por vezes, avassalador – sobre as outras civilizações” (HUNTINGTON 1997: 227).

A análise em torno dos pontos abordados por Samuel Huntington fundamenta-se na História Universal, particularmente na História de África, revistas por Cheikh Anta Diop em quem iremos buscar elementos que irão suportar a nossa argumentação. Porém, convém que façamos uma breve abordagem em torno do ponto de vista do autor sobre o conceito de civilização.

Conceito de civilização

Samuel Huntington (1997: 46-47) discorda dos pensadores alemães que distinguiam a cultura da civilização e adota a perspectiva braudeliana sobre este conceito. Para o acadêmico americano “civilização e cultura se referem, ambas, ao estilo de vida em geral de um povo”, e afirma ainda que “uma civilização é uma cultura em escrita maior”.
O autor cita Bozemam para quem a civilização e cultura “envolvem ‘os valores, as normas, as instituições, os modos de pensar aos quais sucessivas gerações numa determinada sociedade atribuíram uma importância fundamental”.

A civilização nasce, desenvolve-se, e expande-se para fora do seu berço, podendo sobreviver ou desaparecer com o decorrer do tempo e no espaço. Por essa razão, ela é uma entidade cultural e não se restringe ao seu local de origem (HUNTINGTON 1997: 47-49).

África: um continente sem civilização própria?
O argumento exposto por Samuel Huntington relativo à inexistência de uma civilização genuinamente africana assenta no pensamento hegeliano que rejeitava a existência de civilização em África cuja História, segundo os intelectuais ocidentais, só poderia ser estudada com fontes escritas que para os mesmos não existia neste continente.

Felizmente este argumento tornou-se ultrapassado com a descoberta de fontes escritas não somente na Etiópia e no Egito – no último se descobriu o Livro dos Mortos, por exemplo -, como noutras regiões do continente africano, como Angola na qual foram encontrados vestígios arqueológicos dos símbolos da primitiva escrita umbundu (MALUMBU, 2007).

Relativamente à Etiópia, Cheikh Anta Diop esclarece-nos que o passado histórico do Egito não está dissociado da Etiópia. Segundo este historiador, “os Etíopes, e em seguida, os Egípcios criaram e elevaram a uma fase extraordinária de desenvolvimento todos os elementos da civilização [língua, ciência, religião, arte, escrita], enquanto os outros povos especialmente os Eurasianos, ainda estavam absortos na barbárie” (DIOP, 2015:44, 49, 75, 115,177).

Apesar de as realizações acima referidas testemunharem o gênio criativo e inventivo do negro, Samuel Huntington é de opinião de que elas não existiram em África, com exceção para a Etiópia que para si estava isolada, isto é separada do resto continente. Na verdade, a descoberta dos fósseis humanos mais antigos na Etiópia, e o fato de os primeiros habitantes do Egito terem sido negros, reforça a hipótese apresentada por Cheikh Anta Diop de que os Etíopes terão emigrado para o Egito, sendo, portanto os antepassados dos Egípcios.

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