Luiz Carlos Lima, Por dentro da África
A minisérie “Raízes” que aborda a escravidão nos Estados Unidos explorada pelos colonizadores cristãos é uma excelente oportunidade para discutir amplamente o processo de seres humanos escravizados como forma de exploração do trabalho para benefícios e privilégios de uma elite. Sugiro alguns pontos (que muitos de nós já ouvimos) para iniciar a discussão:
1 – A comercialização dos NEGROS ESCRAVIZADOS da África era feita a partir de tribos negras africanas que subjugavam membros de outras tribos rivais e se aliavam a negociantes do tráfico negreiro. Assim, tinham supremacia de território e faziam lucrativos negócios com os parceiros comerciais brancos cristãos: ingleses, portugueses, espanhóis…
2 – A Encíclica Papal do séculos XVI atestava a falta de alma nos africanos e suas crendices “estranhas”, podendo assim subjugar, maltratar, comercializar e exploradar, legitimando o comércio e a exploração dos escravizados como mão-de-obra muito lucrativa e de baixo custo;
3 – A “libertação dos escravos” foi uma decisão comercial dos colonizadores com interesse na revolução industrial do século XIX. Eles queriam todos os habitantes consumindo seus produtos, não apenas a elite;
4 – Portanto, essa “libertação” aconteceu de cima para baixo a partir desses industriais e negociantes que precisavam de consumidores e de membros esclarecidos dessa própria elite, apesar de, desde sempre, ter havido ações de revolta dos escravizados no Brasil, nos Estados Unidos e em toda parte onde. Eles foram abandonados à própria sorte no processo, transformando-se em populações carentes com poucas oportunidades de ascensão econômica e social;
5 – Tudo isso deixou heranças boas e más: No Brasil, no ano de 2016, foram mortas 60.000 pessoas, a maioria parda e negra, também com baixa escolaridade. São essas as mesmas características da imensa população carcerária. Nos Estados Unidos, vemos frequentemente protestos contra assassinatos de cidadãos negros pela policia.
Listo algumas referências de Daruiz Castellani para abordamos os seguintes pontos:
1. Os cristãos “colonizadores” norte-americanos eram preponderantemente protestantes. Diferente dos demais, latino-americanos, quase integralmente católicos. Portanto, tais “bulas” (papais) tinham bem menos relevância sócio-cultural (e teológico ideológica) por lá do que por cá;
2. O histórico “tribalismo” africano (guerras entre diferentes tribos e etnias autóctones), tal qual o que também havia na América pré-colombiana, tinha uma essencial diferença: Fazia escravos dos vencidos. No Brasil, os vencidos (somente os valentes) eram “comidos” ou mortos. Jamais escravizados;
3. Os europeus navegantes mercadores de escravos, contratados pelas mais diversas empresas do ramo eram financiados por banqueiros (muitos judeus) que, também financiavam a construção das embarcações e obtinham das diferentes “Casas Reais” (de Portugal, Espanha, França, Holanda, dentre outras) “chancelas estatais para tal;
4. Portanto, a “proteção religiosa” (católica e/ou protestante) estava mais “focada” nos “indígenas” (aborígenes) do que nos “negros”. Inclusive, porque muitos dos africanos também eram muçulmanos. Aliás, muito mais cultos e educados que os próprios mercadores que os comercializavam e/ou mesmo que os compravam (para professores das crianças de famílias mais abastadas). Pois sabiam ler e escrever. Coisa rara naqueles tempos. – Vide “Revolta dos Malês” (na Bahia – Salvador);
5. Na verdade, a citada “libertação” objetivava o “assalariamento” (capitalista) da força de trabalho. Até mesmo porque os “custos de manutenção” de um número crescente de escravos criava graves problemas de “gerenciamento e controle” da força de trabalho. Igualzinho ainda hoje, quando um “preso” (no sistema penal criminal) sai quatro ou cinco vezes mais “caro” que um trabalhador “livre” (assalariado de salário mínimo – de baixa qualificação e consequente produtividade);
6. Portanto, embora haja semelhanças históricas nos processos sociais, econômicos, políticos e culturais, ideológicos (e religiosos) dos afrodescendentes norte-americanos (face aos brasileiros), também, existem consideráveis diferenças.
Para mim, o racismo (tanto dos brancos protestantes de classe média norte-americana quanto dos próprios negros e demais imigrantes latino-americanos social e etnicamente segregados) embora tenha um considerável componente “econômico” não é (na minha opinião) tão relevante quanto no Brasil. Ou seja, por aqui, me parece algo muito mais relacionado às questões de salário, trabalho e renda do que por lá.
7. De qualquer forma, como sempre, valeu a iniciativa e o convite para a sempre necessária, reflexão e ponderação sobre um “tema”, ainda que humanamente degradante.
*Luiz é professor em São Paulo e colaborador do projeto Música nas Escolas