Por Javier Mantecon, Afribuku (parceiro do Por dentro da África)
*O artigo é uma crítica a forma como a região do norte da África é exposta e abordada na mídia.
Por que norte da África está fora do radar de notícias que chegam do continente? A região tem um nível cultural e social que devemos tratar de forma diferente? No imaginário coletivo, a África é o continente negro, a terra dos maasais, dos mandingas, dos leões e elefantes, além da pobreza e da guerra. Nós, quando pensamos na África, vemos crianças negras sorrindo, a savana ou a floresta, mas nunca pensamos no Egito ou Marrocos. Devemos ignorar a parte norte de África?
No norte africano, temos o Magrebe, o oriente árabe, que se estende desde o Egito até o Iraque e a Península Arábica. E o Maxerreque, que são todos os países árabes situados a leste da Líbia. Nesse território, não existem os mesmos preconceitos que são encontrados na África Subsaariana. A população mundial percebe uma região de uma forma e a outra chama a atenção para além do debate de clichês e estereótipos que o turismo e a sociedade de informação criou no século passado.
Só que, neste caso, há uma diferença substancial na exposição. Os “pobres negrinhos” (uma crítica à maneira como os negros são tratados pela mídia) são nobres e simpáticos, mas os norte-africanos são ladrões e terroristas. Por que essa diferença tão grande?
Nós começamos dando alguns traços dentro do contexto histórico do tema em questão. A relação entre a África Subsaariana com a Europa é muito recente. Até quase o Congresso de Berlim, em 1884, o Ocidente Subsaariano era conhecido apenas pelo relacionamento comercial que existia entre os entrepostos da costa africana e da Europa e América e pelas missões evangelizadoras. Foi a colonização gradual do continente africano que lançou as bases da vitimização e da condescendência com que nós olhamos por cima do ombro para os “pobres negrinhos” (uma crítica à maneira como os negros são tratados pela mídia) . Se é assim, por que não transferir esse sentimento até o Norte da África, que também sofreu uma colonização sangrenta e repressiva até meados do século XX?
Resposta fácil e simplista: o Islã. Resposta correta: as relações de poder no Mediterrâneo. A islamofobia está, sem dúvida, bem estabelecida em todo o Ocidente e, atualmente, passando por uma emersão em consequência das novas formas de terrorismo ligados ao comércio ilegal de bens e pessoas. Mas a islamofobia existi na Europa mesmo antes das Cruzadas e da Reconquista, mas não se aplica aos muçulmanos senegaleses, maliense, e nigeriano,, a menos que eles não sejam negros ou muito radicais, tão pouco aos cristãos coptas estão no grupo de norte africanos que são olhados com desconfiança. Estaria vinculado a rejeição do norte da África com a união entre a pele escura e o Islã? Nenhum dos dois. Muitos tunisianos são brancos assim como os africanos da África do Sul, da Namíbia, da Etiópia e de Madagascar, que não são negros.
Os negros eram considerados simplesmente animais de carga, mas os norte-africanos eram de estofo, eles nunca foram denegridos a tal status. Comerciantes especializados e muçulmanos norte-africanos e egípcios que, historicamente, haviam desfrutado de grandes relações culturais, sociais e econômicas com os países do Sahel, eram centrados em uma rede de vendas que abrange a vasta região que liga a Indonésia a Marrocos ao ver seus privilégios interrompidos pela presença europeia.
Assim, a África está dividida em duas regiões no Ocidente. A norte, que continua com suas relações difíceis, especialmente, com os países vizinhos, como Espanha, Itália e Grécia e o resto: a África negra. Após a queda do domínio colonial na África, nos anos 60, começou um fluxo de imigração do Magrebe e do Egito para suas ex-colônias, que, por vezes, tiveram de reconhecer alguns status de proteção legal em modo de compensação histórica. E agora no século XXI, a França não encontra uma solução para sua população norte-africana e a Espanha, Itália e Grécia ainda estão ancorados na ideia de ter o inimigo do outro lado de suas fronteiras e que o Egito é o terra dos faraós.
Mas o que fizeram os norte-africanos e egípcios para nós? O justo seria enfatizar que sem o norte da África na Europa não desfrutariam da comida, ou da filosofia aristotélica científica, não beberiam cerveja, ou gostariam de flamenco na Espanha, teriam perdido as inovações tecnológicas greco-romanas, a poesia seria muito mais sistemática e plana. É tão simples… Sem a cultura norte-africana, a cultura mediterrânea não existiria e, por extensão, a Europa como a conhecemos hoje. Difícil de encaixar, mas tão certo como as procissões da Semana Santa na Itália ou Espanha são de origem pré-cristã e introduzido pelos cartagineses.
Mais uma vez, vítimas de informações tendenciosas. Sem ir mais longe, a ideia generalizada é a de que a imigração ilegal é culpa do Magrebe que tira proveito dos pobres negros africanos que querem vir para a Europa para procurar uma vida melhor, porque eles vêm do pior buraco que existe no planeta. Quem recebe imigrantes na Europa? Máfias magrebes? Não existem magrebes naqueles barcos e jangadas? Existem, mas eles aparecem menos na televisão que uma garota negra doente.
Islamofobia não é tal se ela se aplica apenas a certos países. Devemos, portanto, falar de Arabefobia? O ocidente não quer fazer parte dessas culturas que se encontram apenas a 14 kms de distância de suas fronteiras. É raro encontrar um espanhol ou um italiano que conhece profundamente Marrocos, Tunísia ou Egito. Mas se interessa no entanto nesta imaginação romântica e ficção em Marrakesh, um cruzeiro no Nilo ou em Monastir, embora com pulseira all inclusive e deixando os hotéis apenas para excursões organizadas. Mais legal é cruzar o mundo para um cheeseburger no Queens, não?
A resposta a todas estas perguntas jogados no ar caem em duas questões que observamos acima e que se resumem a hostilidade ocidental em relação ao Magrebe e o Maxerreque: choque cultural e, portanto, religioso e histórico em curso entre o sul e o norte do Mediterrâneo e culpa e condescendência com a qual continuam a olhar para a África negra. Este fato deve ser adicionado à percepção dos norte-africanos de sua própria singularidade cultural e étnica.
Na verdade, a relação entre o norte da África e os seus vizinhos do sul não é tão amigável como deveria. A diferença que o ocidente assinala entre o norte e o resto do continente é frequentemente alimentada pela própria população norte-africana. Enquanto os países do norte juntaram-se como instituições da União Africana (exceto Marrocos), a população tem uma visão de nível de classe racial entre as diferentes áreas do continente. Historicamente, o comércio de escravos e as relações entre o Magreb e o Mashreq com o Sahel e o estabelecimento dos árabes como uma aristocracia minoritária promoveu um sentimento de superioridade étnica, não só sobre os negros do Sul, mas também em detrimento dos próprios cidadãos das terras que conquistaram.
E ainda é uma prática comum do norte escavar o passado de sua família para aumentar o seu prestígio social buscando parentesco com a elite árabe que trouxe o Islã com eles e, portanto, mais próximo do Profeta Muhammad etnicamente. Os negros em sua equação, estão em último lugar no prestígio étnico-social. Mais uma vez, caem no mesmo erro. Só podemos chamar de africanos os negros? O que acontece então com os Boers ou com os etíopes, por exemplo?
A maioria dos meios de comunicação atuais ainda faz a diferença entre o Norte de África e o resto do continente, deixando de lado sua parte norte em suas seções africanas. A notícia sempre vêm da África Subsaariana com um filtro. Como utilizá-las se este sentimento nunca foi aplicado ao Magrebe? Nós não quebramos templos com o esforço, lá no fundo nós sabemos: alguns magrebes são desordeiros e terroristas. Melhor ignorá-los, porque não vende.
Em seu discurso durante a FESPACO (Festival de Cinema de Burkina Faso), Hicham Ayouch disse: “Como você pode ter notado, minha pele é branca, mas o sangue fluindo em minhas veias é preto. Meu pai é marroquino, minha mãe é da Tunísia, sou africano e sou orgulhoso de ser, porque somos um belo continente, um nobre continente, um continente rico, é a mãe de todas as terras, é a essência do mundo “.
Como a América é composta por Canadá, Chile e Guatemala, e não apenas pelos Estados Unidos, e a Ásia não é só a China e o Japão, devemos considerar a África como um mosaico cultural e étnico que inclui o maior número de diferenças como semelhanças. África é apenas um nome que nós chamamos uma determinada área geográfica habitada por diferentes culturas. Sejamos capazes de traduzir esse conceito com um marroquino e um sul-africano. Os romanos chamavam a África precisamente do que hoje conhecemos como a Tunísia e a Líbia, podem nos acostumar com a idéia da arbitrariedade do nome atual. A riqueza do continente passa pela sua diversidade, de Madagascar ao Marrocos, do Egito à África do Sul, do Senegal a Somália. Nem preto nem Magrebe, nem branco, nem árabes: africanos.