Pepetela: “As utopias existem e são elas que despertam as pessoas”

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Pepetela – Divulgação

Artigo do Livre Opinião cedido ao Por dentro da África

“Foi nessa altura que Ulume aproveitou contar à Muari o seu desejo de casar com Munakazi. Ela não o contrariou. Disse apenas esse é o teu direito, eu aceito, mas talvez não seja a melhor altura. Não tinham cabritos para oferecer à família de Munakazi, muito menos cobertores ou vinho. Como pagar o alembramento?” (Parábola do Cágado Velho, 1997).

Seu nome é Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, conhecido na literatura como Pepetela, autor angolano que reflete em seus livros os problemas sociais do país, bem como a marca profunda que a população angolana enfrentou durante a longa guerra de libertação e consequências da política, cultura e tradição africanas.

O autor de As Aventuras de Ngunga, Mayombe, Geração da Utopia, Parábola do Cágado Velho e da série Jaime Bunda, conversou com o Livre Opinião – Ideias em Debate sobre a sua carreira na literatura, a participação no MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), a elaboração das metáforas, marca importante de sua obra, além da influência e relacionamento com a cultura brasileira.

No período marcante da história de Angola, a guerra de libertação, Pepetela, que  vivenciou e participou ativamente desta época, falou do desenvolvimento do livro Mayombe – enredo em que retrata a vida de um grupo de guerrilha – e se há literatura na narrativa de guerra:

Claro que pode haver literatura na narrativa de guerra. Uma coisa é o trabalho do correspondente de guerra que apenas informa sobre os acontecimentos e até pode dar a conhecer a opinião dos intervenientes. Outra é o trabalho do escritor que cria personagens, relê à sua maneira cenas que aconteceram e inventa outras que poderiam ter acontecido e não foram reais, recria o ambiente global, etc. Isso é literatura.

Muito marcantes em sua narrativa são as metáforas, figura de linguagem utilizada pelo autor que reflete sobre a sociedade e a História do país. Fornecendo um estilo notável na tentativa de não deixar que a tradição angolana pré-colonial desapareça. Através destas questões, o escritor explicou sobre o desenvolvimento de uma boa metáfora em sua obra:

Comigo nada é muito pensado anteriormente. As coisas acontecem naturalmente. Na fase da releitura é que entra o espírito crítico e se modifica o que houver a mudar. As metáforas também vão nascendo um pouco do subsconsciente, as que têm pernas para andar se desenvolvem, as outras murcham e são podadas no momento da revisão.

Pepetela contou sobre a sua participação no MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e o seu desenvolvimento da obra As aventuras de Ngunga, que teve como objetivo inicial ser manual para ser usado nas escolas e depois virou um romance:

Fiz guerrilha no Norte de Angola, em Cabinda, na floresta do Mayombe. E também na parte oriental de Angola, com outra geografia, florestas esparsas e zonas sem vegetação, mas com muito mais população e problemas de outra ordem. Mas nunca fui preso, portanto não tenho vivência do cárcere. Tive actividades diversas, além das militares, como por exemplo apoio às escolas e na formação política dos combatentes. Também um ou outro apoio na Informação. O livro As Aventuras de Ngunga nasceu a partir de uns textos que escrevi na Frente Leste para apoio ao trabalho das escolas, onde havia muito pouco material para ser lido. Textos muito simples, com linguagem também muito simples e que eram traduzidos imediatamente para uma das línguas da região, o mbunda. A ideia era fazer as pessoas ler nessa língua, que se dizia não estar escrita, mas que era possível fazê-lo. Mas a personagem do jovem órfão numa guerra ganhou corpo, percebi que ali havia uma estória e continuei os textos, mas já com um fio narrativo de novela. Saiu o livro.

O escritor explicou que desde jovem teve bastante influência da cultura brasileira na sua vida. Perguntamos à ele quais foram suas primeiras leituras de obras da literatura brasileira. Neste contexto, Pepetela contou sobre sua relação com o país:

Lia revistas brasileiras, Cruzeiro, Manchete, revistas que havia no barbeiro onde cortava o cabelo. Mais tarde Vida Juvenil. Os livros e revistas brasileiros chegavam facilmente a Benguela. Um dos primeiros livros que li foi Capitães de Areia, de Jorge Amado. Li muitos livros deste autor, bem como José Lins do Rego, Graciliano Ramos. Alguns estavam em casa dos meus pais, outros eram comprados ou emprestados por amigos mais velhos.

O livro A geração da utopia, de 1992, acompanha um grupo de jovens que sonhou e lutou por um país livre e se depara com a realidade de Angola pós-independência. Uma obra em que há a presença forte do desencanto da sociedade angolana. Versando sobre se utopia ainda é possível nesta geração, Pepetela respondeu:

Acredito que as utopias existem sempre, pois são elas que despertam as pessoas para tentar fazer coisas. Nunca se realizam, mas ajudam a se alcançar o possível. Todas as gerações têm uma coisa e outra, Utopia e Distopia. Como a luz só existe porque existe a sua ausência.

Na sua estreia no romance policial, o autor, com humor e ironia, criou o famoso personagem Jaime Bunda – uma paródia ao nome de James Bond -, um investigador angolano que desvenda crimes de repercussão mundial. Os dois romances –Jaime Bunda, Agente Secreto Jaime Bunda e a Morte do Americano – apresentam a crítica de Pepetela à segurança mundial e à política estadunidense. Muito bem recebidos pela crítica e leitores e já consolidados, o autor considerou se ainda existe enredo para mais uma aventura do personagem:

Há sempre enredo para esse tipo de livros. Mas não sei se haverá um terceiro, me parece que perdi a mão. Mas nunca se deve dizer nunca.

Na – já de praxe – pergunta final do Livre Opinião, que abre espaço para o artista desabafar, criticar ou colocar em debate uma ideia, Pepetela respondeu:

Gostaria que o Brasil se interessasse mais por África (falo das pessoas, não das instituições). Acho que há muita coisa que poderia interessar os brasileiros, não apenas no domínio dos mitos, mas das realizações concretas. Que os brasileiros deixem de ver esse continente como o do Tarzan, ou o das tragédias e dos atrasos. Há muito a aprender, lições a retirar.

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