Por Bruno Pastre Máximo, Por dentro da África
São Paulo – Civilização. Eu odeio esta palavra… Atrás desta simples palavra, atrocidades foram e continuam sendo cometidas. O problema, na verdade, não é o que ela significa, mas justamente o que ela NÃO significa. Qual o primeiro pensamento do que seria o contrário de um civilizado? Bárbaro? Primitivo? Selvagem?
Ora, nós possuímos luz elétrica, saúde, dinheiro, conforto, e eles preferem viver em cabanas no meio do mato? Como podem? Ao respondermos a esta pergunta, chegamos ao X da questão. É justamente por acharmos que NÓS (ocidentais) somos o centro do mundo que atrocidades foram feitas. Isto se chama etnocentrismo!
Não preciso citar muitos exemplos, bastam os genocídios dos indígenas americanos, dos africanos do Congo, dos da Namíbia, dos tasmanianos, e como se descobriu recentemente, dos das populações indígenas brasileiras viventes em torno da transamazônica.
É justamente por achar que o nosso conhecimento, supostamente universal, científico e neutro é superior a outras interpretações da realidade que o colonialismo se baseou e foi legitimado. Mas não foi só no período colonial que este discurso foi aplicado. Ele ainda está presente em qualquer discussão envolvendo (e aqui cravamos o nosso objeto de análise) a História da África.
Nas discussões sobre a História da África, e observando os livros didáticos, percebemos que existe um recorte bastante preciso nos temas dos impérios e reinos africanos. Não é à toa, como nada é aleatório. A escolha reflete o pensamento dos autores e as demandas sociais, e faz todo o sentido. Não sou eu quem irá dizer para todos que por anos lutaram pela inclusão da História da África e da glorificação do passado negro nos currículos escolares que esta é uma abordagem errada. Não é errada, mas possui alguns problemas, principalmente um problema de ordem estrutural:
A abordagem é baseada no famigerado conceito de civilização. Como assim? Pensemos… Por que a escolha de Impérios poderosos, com monumentais edifícios em pedra e Estados complexos? O principal motivo é afirmar para aqueles que um dia, e ainda, desprezam o passado africano:
Nós temos história como vocês. Vocês tiveram o império Romano/Carolíngio/Espanhol, nós possuímos os Impérios do Mali/Songhai/Kongo. Vocês fizeram coisas monumentais, tiveram escrita, Estado organizado, cidades, monarquias, nós também. Tratem-nos como iguais!
Os poderes (político e militante) destas afirmações é enorme justamente porque estão lidando com os termos dos seus antigos algozes. Ao invés de propor novas concepções e conceitos para interpretar a História da África, os conceitos são , “emprestados” do Ocidente. Novamente, isto não está errado, porém é perigoso. É perigoso justamente porque é um conceito de fora, importado e adaptado, não refletindo questões internas, e principalmente excludentes.
Mesmo que se queira deixar de lado, uma grande parte da população africana não esteve sob julgo de impérios, reinos e Estados centralizados. Isto faz delas menos importante historicamente? Devemos deixar elas de lado? Ou como teriam feito no século XIX, devemos civilizá-las ou exterminá-las?
Óbvio que não. Devemos entendê-las nos seus próprios termos. Devemos extirpar de nós esta noção de que as sociedades representam uma hierarquia (primitivo -> civilizado), em que, claro, a sociedade ocidental se apresenta como modelo único e final do desenvolvimento, devendo ser imitada.
Não existem modelos. Não existe escala em que um povo é melhor que outro. Todos somos diferentes, e entender esta diferença é o que nos torna melhores sereshumanos – , e principalmente, aprender com o passado e negar o etnocentrismo como visão do mundo. Negar o etnocentrismo é aprender com o outro. Negar o etnocentrismo é valorizar a História da África como um todo. Negar o etnocentrismo é combater o racismo.
Bruno Pastre é estudante de arqueologia da Universidade de São Paulo
Por dentro da África