O adeus à rainha Mãe Stella de Oxóssi

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Foto de Aratu Online -Salvador / Mãe Stela de Oxóssi

Texto de Rafael Pondé

Homenagem a Mãe Stella de Oxóssi, falecida aos 93 anos em 27 de dezembro 

Quando em 1938, meu tio avô Humberto Porto escreveu no Rio de janeiro a canção ‘Lamento Negro”, com os versos: ‘Ogun de Lodé, Ogun de ilé, Xangô meu pai…’,  gravada com sucesso pelo trio de Ouro, o mercado de música no Brasil ainda não estava nada acostumado a escutar versos que exaltavam os nossos orixás. Na época, o candomblé ainda sofria com perseguições públicas e preconceito. Uma das figuras emblemáticas do candomblé que, com sua sabedoria, trabalhou para ajudar no reconhecimento dos orixás e na superação do preconceito (que infelizmente ainda existe), foi, sem dúvida, a nossa mãe Stella de Oxóssi.

Quando no Ilê Axê Opô Afonjá, Dona Aninha, precursora de Mãe Stella, junto com Pierre Verger, trouxeram para Bahia o ministério dos Obás de Xangô e atraíram personalidades emblemáticas da sociedade baiana para o terreiro como Jorge Amado, Dorival Caymmi e Gilberto Gil, ajudaram bastante no reconhecimento da religião africana como importante aspecto cultural do Brasil.

Dona Stella de Oxóssi, yalorixá do Ilê Axê Opô Afonjá, é uma rainha. Ela foi uma das yalorixás mais importantes da história dos candomblés. Filha de Oxóssi, o orixá fundamental da Bahia, isso porque diferentemente de Cuba, que recebeu mais iorubás da cidade de Oyo, do rei Xangô, a Bahia recebeu em massa iorubás do reino de Ketu, do rei Oxóssi. Por isso Oxóssi foi cultuado e era o “dono” das primeiras casas de candomblé da Bahia. Por isso, nessa cidade todo mundo também é de Oxóssi, portanto todos somos “filhos” da eterna Mãe Stella.

Mãe Stella ajudou na desmistificação do sincretismo religioso, quando se posicionava contra o disfarce que associava os santos da igreja católica aos orixás.  “São Jorge é uma entidade, Oxóssi é outra, totalmente diferente”, dizia ela. Já não havia mais razão pra confusão. Os orixás já não precisavam mais se esconder no altar como no tempo da escravidão. Mãe Stella era também escritora e ocupava a cadeira de Castro Alves, na Academia de Letras da Bahia.

Recentemente, Dona Stella inovou mais uma vez ao recomendar que as oferendas do dia 2 de fevereiro à Yemanjá se fizessem com cânticos e não mais flores de plástico, garrafas de vidro, mostrando assim total sintonia com a preocupação ecológica atual e ancestral, pois a natureza é templo dos orixás.

Ao nos deixar fisicamente nessa última quinta-feira do ano (Dia de Oxóssi), sua presença espiritual continuará a nos iluminar como as estrelas do céu. Ficam os ensinamentos que ela nos deixou nos livros que escreveu. Até breve Rainha Stella!

*Rafael Pondé é músico e compositor baiano. Em seu trabalho, é presente a relação entre Brasil e o continente africano. Um de seus álbuns de grande sucesso é AfrikaBahia. Conheça mais o trabalho do cantor aqui .