Livro “Moçambique: o Brasil é aqui” conta a influência do Brasil no país africano

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Moçambique – Amanda Rossi

Natalia da Luz, Por dentro da África

Rio – Em um mundo globalizado, as influências de uns países se espalham mais do que as de outros. A mais de 8,5 mil quilômetros do Brasil, uma nação de 25 milhões de pessoas tem contato diário com o maior país da América do Sul, já que, por lá, no sul do continente africano, empresas e projetos brasileiros deixam a sua marca. Em um trabalho investigativo que começou em 2010, a jornalista Amanda Rossi conta em detalhes o porquê de encontrar o Brasil em Moçambique.

– O Brasil tem presença relevante nas áreas da mineração, construção civil, exportação de frango e de aeronaves, além de projetos que estão em desenvolvimento no setor do agronegócio. Age como protagonista na área de combate à Aids, com a fábrica de antirretrovirais da Fiocruz e tem também outras facetas como a presença das igrejas evangélicas e dos programas de TV – contou em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, a autora de “Moçambique: o Brasil é aqui”, que será lançado nesta terça-feira em São Paulo.

Moçambique – Amanda Rossi

Pergunto a Amanda como o Brasil se tornou o maior parceiro comercial do país, estando à frente dos Estados Unidos e da China. Ela diz que, formalmente, o Brasil nunca se configurou como o país que mais investe em Moçambique porque seus investimentos mais importantes sempre foram camuflados, já que os maiores projetos brasileiros são da mineradora Vale.

De acordo com dados do Centro de Promoção do Investimento, um órgão público moçambicano, embora a Vale seja uma empresa brasileira, o Brasil não apareceu nas anotações de investimentos estrangeiros em Moçambique.  No total, a mineradora deve investir 8,2 bilhões de dólares, mais da metade PIB do país. No livro, o investimento é destacado como o maior negócio do Brasil na África!

Relações entre Brasil e Moçambique 

Moçambique – Amanda Rossi

– Em 2010, em minha primeira vez em Moçambique, fiquei surpresa ao encontrar uma África bem diferente da imagem que tínhamos no Brasil. Uma África que crescia e tentava superar o estereótipo de continente assolado por guerras, fome, epidemias. Vários países estavam interessados nessa nova África. O Brasil, para minha surpresa, estava entre eles! – recorda a jornalista.

Em uma das mais de 409 páginas de apuração, Amanda descreve a presença do Brasil em uma tarde quente debaixo de um sol de 35 graus em Moatize, região norte do país que faz fronteira com o Malawi, onde a Vale comanda a exploração de carvão.

“Eu estava lá. Aguardava o término de uma negociação entre a Vale e um grupo de manifestantes, gente que ficou desempregada após trabalhar para a Odebrecht , escutando conversas sobre a novela da Record, ao som da cantora mineira Paula Fernandes, de frente para uma Igreja Universal, na sequência de voar em um avião da Embraer”. (pag.34).

Esse relato, que mostra a influência e presença do Brasil em Moçambique, faz parte de toda a abordagem sobre a aproximação do Brasil não apenas com Moçambique, mas com África, lembrando que, em 2003, o então presidente Lula abriu a primeira embaixada na África desde 1990. Desde o primeiro governo Lula, o continente ganhou 34 novas embaixadas brasileiras.

Um reencontro com a África 

Moçambique – Amanda Rossi

Em suas páginas, Amanda conta que a primeira parada do ex-presidente ao sair deixar o país rumo à África foi em São Tomé e Príncipe, um lusófono com cerca de 180 mil habitantes que, neste ano, completou 40 anos de independência. Depois, ele continuou o trajeto por Senegal, na Ilha deo Gorée. Por lá, na “Porta sem Retorno”, Lula firmou um compromisso que se estenderia pelos próximos anos da política externa brasileira.

“Queria dizer ao povo do Senegal e da África que não tenho nenhuma responsabilidade pelo o que aconteceu nos séculos XVI, XVII, XVIII. Mas penso que é uma boa política dizer ao povo do Senegal e ao povo da África: perdão pelo que fizemos aos negros”, disse Lula. 

Amanda destaca que, apesar do crescimento dos negócios entre os dois países, as relações entre Brasil e Moçambique são antigas. Quando o governo Lula iniciou a aproximação com a África, em 2003, já havia diálogo entre os dois países. Desde os anos 1970, por exemplo, Moçambique sonda o Brasil para explorar o carvão de Moatize e investir na agricultura, como a autora conta nos capítulos “A chegada à África” e “Auge e derrocada”.

Moçambique – Amanda Rossi

– Hoje, já vemos negócios e projetos de cooperação do Brasil em diversos países africanos, embora em escala muito menor do que em Angola e Moçambique. Um diretor da Odebrecht, por exemplo, conta no livro que a empresa só foi para Gana porque o presidente Lula foi para lá primeiro. Caso o Brasil continue o movimento de aproximação com a África (o que não tem acontecido com Dilma), é possível que a presença brasileira se fortaleça em outros países africanos – completou.

Seja na capital de cimento, onde carros de luxo circulam, ou no chão de barro das casas de madeira e palha caniço, o português que se fala no Brasil se faz presente por lá, mesmo para aqueles que não cresceram com o idioma, lembrando que o português é a língua materna de apenas 10% da população, que conserva em sua cultura mais de 30 idiomas nacionais. Entre um dos maiores sucessos produzidos no Brasil e exibidos pela TV moçambicana está Escrava Isaura.

Área rural

Amanda ao centro e a fotógrafa Brisa à esquerda em Moçambique

De acordo com o Banco Mundial, Moçambique tem cerca de 70% da população vivendo na área rural e 49% dela é analfabeta. Apesar de um IDH considerado baixo, que deixa o país na 179ª posição, Moçambique cresce 7% ao ano e deverá, nos próximos 10 anos, ter o maior crescimento de milionários de toda a África, cerca de 120%, segundo o relatório New World Wealth deste ano.

– Os camponeses são o rosto da agricultura moçambicana, cujas áreas de plantio têm, em média, 1,5 hectare. No Brasil, essa média é de 65; no Centro Oeste é de 330! Estima-se que metade dos camponeses plante apenas para o sustento próprio, sem obter renda, e que a outra parte obtenha apenas uma renda bem magra.

Com o objetivo de desenvolver uma região chamada Corredor de Nacala, do tamanho do Ceará, com uma população de 4 milhões de pessoas, o Prosavana é um dos principais projetos de ajuda à África. Foi lançado em 2009 com o apoio do Japão para transferir tecnologia agrícola brasileira, mas a maioria dos camponeses é contra porque teme ver a agricultura alterada pelo agronegócio.

Moçambique – Amanda Rossi

-o ProSavana foi o primeiro caso em que houve oposição à cooperação brasileira. Também foi o primeiro caso em que a cooperação se misturou com os negócios mais descaradamente. Isso explica a oposição ao projeto. No início do programa, o governo brasileiro buscou estimular investimentos privados brasileiros na agricultura de Moçambique. Foi assim que os agricultores brasileiros foram pesquisar terras e que empresas de agronegócio do Brasil começaram a desenvolver projetos em Moçambique. Grupos de camponeses, então, começaram a ficar assustados: os investidores atraídos pelo ProSavana poderiam remover famílias que ocupam a região há gerações e dar início a plantações de larga escala. – explicou a jornalista, completando que o governo brasileiro recuou, mas o interesse do agronegócio já havia sido despertado.

Moçambicano Calixto Adida – fotógrafa Brisa Chander

Para mostrar o Brasil em Moçambique 

No Brasil, Amanda acreditava que ainda sabia-se muito pouco a respeito do país africano. Então, começou a fazer reportagens sobre esse tema. O tempo foi passando, e as iniciativas brasileiras aumentando. Então, em 2012, achou que valia a pena contar essa história em um livro. Em 2013, voltei para Moçambique para completar a apuração. – Eu espero que os leitores terminem a leitura conhecendo um pouco mais sobre Moçambique e sobre o que o que são as relações Sul-Sul do Brasil. Esse conhecimento pode ajudar a refletir sobre qual política de aproximação com a África queremos colocar em prática. De que modo o Brasil pode ajudar o continente africano? Quais são os resultados dos últimos 12 anos? O Brasil foi realmente diferente dos outros países, como se propôs? O que falhou? O que pode melhorar? Eu não dou respostas no livro, apenas conto histórias que podem ajudar a formar a opinião.

Saiba mais sobre o livro aqui

Por dentro da África