Intolerância religiosa: “Essa pedra não atingiu apenas uma menina, atingiu a sociedade brasileira”, diz Marcio de Jagun

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Foto: Alliance – ADA

Natalia da Luz, Por dentro da África

Rio – A ausência do respeito ao outro, ao diferente, assume muitas formas e se manifesta, principalmente, em motivações quanto à cor da pele, à orientação sexual, à religião. No Brasil, a intolerância contra os praticantes de religiões de matrizes africanas vem chamando a atenção da sociedade e do poder público. No último domingo, uma menina de 11 anos, praticante do candomblé, levou uma pedrada na cabeça, após saída do culto na Vila da Penha, Rio de Janeiro. A família registrou a ocorrência na 38ª Delegacia de Polícia (Brás de Pina, na zona norte) como lesão corporal e prática de discriminação religiosa.

– Combater essa agressão não é fazer um favor ao candomblé, à umbanda… É garantir o bem para sociedade. Essa pedrada não atingiu apenas a menina, atingiu a sociedade brasileira – disse Márcio de Jagun, presidente da Associação Nacional de Mídia Afro, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África.

Marcio no lançamento do seu livro “Ori a Cabeça como Divindade”

Membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR-RJ), Márcio participou de um ato de repúdio convocado pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, nesta quarta-feira.

– A menina foi levada ao plenário, o que deixou os deputados evangélicos bem constrangidos. Na ocasião, todos os deputados (evangélicos ou não) repudiaram o ato e pediram a palavra. Essa atitude é muito importante porque começa a reverberar dentro da própria igreja – contou Márcio, que está preparando um dossiê com os casos mais relevantes (do Rio de Janeiro e de várias partes do país) de intolerância religiosa dos últimos cinco anos.

Nova agressão

Foto:  wikidancanet
Foto: wikidancanet

Enquanto K. estava no Instituto Médico Legal (IML) para fazer o corpo de delito, ela sofreu outra agressão de um cidadão que estava aguardando para ser atendido. Na manhã desta quarta-feira, a menina foi chamada de macumbeira.

– Os líderes que incitam tal intolerância precisam vir a público para pedir desculpas, para assumir esse ato porque não podemos viver nesse cinismo institucional, onde todos fingem que não sabem o que está acontecendo. A intolerância religiosa no Brasil tem nome e sobrenome e sabemos disso – destacou o advogado que também é babalorixá, escritor e apresentador do Programa Ori.

Foto: Ccir – Liberdade Religiosa

Márcio diz que não é concebível que alguns religiosos incitem a violência e que seus superiores sejam alheios a essa discussão. Eles precisam ser responsabilizados. O  parágrafo VI do artigo 5º da constituição brasileira diz que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. A Lei Caó (Lei 7.716/89) considera crime a intolerância religiosa.

De acordo com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, foram registradas 39 queixas pelo Disque 100 apenas em 2013, o que deu ao estado do Rio o título de maior detentor das denúncias em todo o Brasil.

– Isso é crime de segurança pública. As autoridades estão assistindo a isso pela janela, enquanto a sociedade civil faz passeata, atos, eventos de solidariedade – contou Márcio, completando que o Ministério Público deve agir durante todo o tempo e não apenas aguardar até que uma nova denúncia chegue ao conhecimento público.

Ato de solidariedade

Em maio do ano passado, um ato de solidariedade às religiões de matrizes africanas levou representantes de mais de 15 religiões diferentes a se erguerem contra o preconceito e a violação da liberdade. Na ocasião, o motivo do encontro realizado no Rio de Janeiro foi a decisão do juiz Eugênio Rosa de Araújo que afirmara judicialmente que umbanda e candomblé não poderiam ser consideradas religiões.

Veja mais: Ato de solidariedade às religiões de matrizes africanas 

Foto: Ccir - Liberdade Religiosa
Foto: Ccir – Liberdade Religiosa

– Esse encontro foi inédito. Nunca havíamos presenciado esse movimento de tantas crenças com um objetivo único. Foi uma mobilização que só se tornou importante porque o povo teve essa consciência. Tivemos uma repercussão imensa entre judeus, evangélicos, muçulmanos… E a sociedade civil de boa fé se uniu – contou Márcio.

Existe na Secretaria de Segurança um disque denúncia que está aparelhado com os casos de intolerância religiosa, mas ainda não foi criada a delegacia especializada em casos de intolerância, embora já tenha sido aprovada pela Alerj.

– Esses atos de agressão, de preconceito, têm crescido assustadoramente, por isso, digo que além do diálogo, da passeata, precisamos promover ações efetivas para cobrar das autoridades públicas.