Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – Com uma invejável diversidade étnica, um país da costa oriental da África foi moldado fazendo uso de uma riqueza que transborda pela oralidade, o bem mais valioso da África. Na língua cinyanja ou chewa, Malawi significa “sol nascente”, símbolo estampado na bandeira do país que é tema do documentário de 72 minutos chamado “Faces do Malawi”.
– Fomos buscar as tradições, conhecer um pouco de cada uma das culturas através da dança e da tradição oral – conta, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, o diretor Caetano Curi – que acompanhou a equipe da capital Lilongwe, subiu pela região montanhosa e desceu pela margem do Lago Niassa (também conhecido como Lago Malawi).
Com 16 milhões de habitantes, o Malawi faz fronterias com Tanzânia, Moçambique e Zâm
– Malawi não tem a alcunha de “coração quente da África” (expressão que retrata a hospitalidade do povo) à toa. É um país de sorrisos. Outra característica fundamental é a música. Nas diversas formas de convivência social, o malawiano canta e dança, cultuando suas divindades, preservando sua cultura – conta ao Por dentro da África a diretora geral do projeto Mônica Monteiro, que exibirá o filme em diversos festivais de cinema e na TV fechada.
Com uma pré-produção incrementada, a equipe da Cine Group suou durante 18 dias consecutivos para a gravação de todo o material. Lilongwe, a capital, foi o ponto de partida para o roteiro que incluiu as cidades como Funachina, Mzgede, Bondo, M’bewa, Enyezini, e Mponda.
– É fascinante descobrir que o país possui tantas manifestações culturais ligadas aos povos que deram origem à sua formação: os Chewa, os Tumbuka, os Ngoni. Todos de origem bantu, semelhantes em vários costumes, mas que produzem música, dança, pintura, indumentária e esculturas totalmente diversificadas – destaca Mônica.
As línguas bantu descendem de uma língua comum que muitos acreditam ter sido falada primeiramente onde hoje é Camarões, na África Ocidental. Alguns registros datam a expansão bantu cerca de 3000 a.C.
Gente do povo, das aldeias, do Lago Niassa (o terceiro mais extenso de África, que ocupa cerca de um quarto do país) é que dá vida a esse trabalho. A maioria dos personagens é anônima: são pessoas das aldeias visitadas de norte a sul do país, inclusive à beira do Niassa, desde artistas, pescadores, religiosos e comerciantes aos líderes tradicionais das comunidades.
– Todas essas pessoas contam a história da cultura que registramos como a dança Vimbuza do povo Tumbuka, usada para aliviar os males das doenças, e o GuleWamkulo, a “Grande Dança” do povo Chewa, eleita Patrimônio Imaterial da Humanidade – detalha Mónica.
Mônica explica que a Grande Dança, um dos pontos fortes do filme, é comandada por homens iniciados nos costumes, que se vestem com roupas coloridas e máscaras. Quando saem da floresta, andam em uma coreografia ritmada ao som da percussão, varrendo poeira e folhas do solo para não deixar qualquer pegada.
– Longe de ser apenas uma dança, o GuleWamkulu é um rito de passagem que marca o início da puberdade dos meninos chewa, torna-os membros definitivos da comunidade, e aproxima o mundo físico com a espiritualidade dos antepassados.
Outro tema que o documentário aborda é o nascimento do Estado-nação Malawi. Os entrevistados relembram a migração dos povos, seja do Congo ou da África do Sul, a convivência entre as religiões e a organização política, que mistura a democracia convencional com as lideranças comunitárias.
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O primeiro contato significativo com o mundo europeu foi a chegada de David Livingstone à margem norte do lago Niassa, em 1859, e o subsequente estabelecimento de missões da igreja presbiteriana escocesa. Em 1891, estabeleceu-se o Protetorado Britânico da África Central, transformado em 1907 no Protetorado de Niassalândia. Os ingleses chamaram-lhe Niass
Em novembro de 1962, o governo britânico concordou em conceder à Niassalândia autonomia a partir do ano seguinte. Foi então que o país se tornou independente em 1964 e mudou seu nome para Malawi!
Luta contra a fome e uma mulher como presidente
A nação que, oficialmente, fala inglês e chewa (idioma de origem bantu também usado no Zimbábue e na Zâmbia) é definido como de baixa renda e ocupa a 170ª posição entre 187 países, no Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD de 2012. De acordo com a ONU, mais de 40% da população vive com menos de $ 1 por dia.
– Com a produção de vegetais orgânicos vendidos nas comunidades de todo o país e a abundância da pesca no Lago, percebemos que é um país que luta, de gente que trabalha com alegria para melhorar suas vidas.
Classificado no grupo dos países mais pobres do mundo, algumas medidas são urgentes para amenizar essa fragilidade. A presidente Joyce Banda, que substituiu Mutharika após a sua morte, em abril de 2012, optou por erguer essa bandeira.
Nascida em Malemia, ela participou aos 25 anos do no movimento feminista do Quênia. Com o dinheiro de um prêmio que ganhou, relacionado com o Fim da Crise da Fome na África e concedido pela organização americana Projeto Contra a Fome, ela criou, em 1997, uma fundação que tem o seu nome.
Tornou-se a terceira mulher a comandar um país africano depois de Carmen Pereira, presidente da Guiné Bissau, e de Ellen Johnson-Sirleaf, presidente da Libéria. Além da luta contra a fome, outra bandeira parece ser a defesa dos direitos humanos.
A partir de 2010, a homossexualidade se tornou ilegal no Malawi, com punição de até 14 anos de prisão e, em maio de 2012, Joyce prometeu revogar as leis que criminalizavam a homossexualidade. O país então suspendeu as leis anti-gays e ordenou à polícia que não prendesse os homossexuais. A iniciativa foi bem acolhida pela Anistia Internacional como “um passo histórico”, mas ativistas locais pediram cautela.
– A luta pelos direitos humanos das mulheres é árdua, em especial porque não estamos falando apenas de mudar leis, mas de mudar culturas, a cabeça das pessoas, costumes que são passados de pais para filhos. Mas, inegavelmente, os avanços vêm mais rápido com uma mulher no poder. Elas sabem o que as mulheres passam e podem agir para construir uma cidade com mais igualdade de gênero.
Por dentro da África
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