Bruno Pastre Máximo e Bernardo da Silva Heer, Por dentro da África
Abomey, Benim – A cidade de Abomey é daquelas cheias de História… Seja pelos incríveis vestígios materiais deixados por séculos de ocupação, seja pela presença importante e constante da monarquia do Daomé (ou Dahomey, ou Danhomè) na cosmologia dos povos Fon.
Situada no sul do Benim, a 300 km do mar, o acesso pode ser feito por ônibus ou “táxis” (pequenas lotações em carros ou vans) a partir das principais cidades do Benim. Para facilitar a chegada, uma dica é partir da vizinha Bohicon.
No caminho, observamos uma série de placas e outdoors anunciando palácios, sítios reais e museus. Ficamos na casa de um “irmão” de nosso amigo Tangui (nunca sabemos quando a pessoa é irmão de fato ou não), que nos ajudou a conhecer a cidade. A cidade, apesar de não ser muito grande, é bem “espalhada”. Por isso, as “moto-táxis” são muito indicadas!
Assim como em Ouidah, a presença do culto aos Voduns é extremamente marcante na cidade, seja na tradição oral, na qual a monarquia do Daomé é um eixo central, seja nos diversos templos voduns e suas representações por toda a cidade.
É impressionante como os habitantes da cidade, em geral, conhecem a história do reino, sabem o que fez cada rei e porque ele agiu assim. Muitas vezes, pessoas que encontrávamos na rua sabiam nos explicar porque uma certa árvore era plantada em frente ao palácio e o que significavam os símbolos de cada rei. Em geral, pareciam se identificar muito com aquilo que estava ligado ao Reino do Daomé.
A força e a capacidade de transmissão da cultura oral em Abomey, assim como em outras regiões do Benim, nos chamou atenção. Mesmo em tempos de internet e globalização, as antigas sabedorias ainda são transmitidas oralmente para as crianças e jovens (apesar de, aparentemente, isso estar enfraquecendo com o tempo).
O rei do Daomé é considerado um ser sagrado e, por isso, é muito respeitado, apesar de formalmente não ter poder político propriamente dito, desde a derrota para os franceses, no final do século XIX. No entanto, muitas pessoas disseram que, se o rei não gostar do presidente, “ele não será eleito”.
O rei de Abomey
Sobre a figura do rei Agboli Dedjnai, existem algumas considerações interessantes. A primeira é que a idéia de que “rei” e “reino” tal como imaginamos é uma coisa europeia. O “reino” do Daomé era de fato extremamente importante, mas só passou a ser chamado de “reino” depois da chegada dos franceses.
Outra coisa interessante é o ritual de cerimônias e etiquetas em relação ao rei: para conversar com ele, é considerado respeitoso e de bom tom tirar a camisa. É praticamente obrigatório tirar os sapatos (como na maioria dos lugares sagrados tradicionais do vodun).
Também é importante levar um bom presente quando se encontra o rei… Além disso, ao ver o rei é necessário fazer uma profunda reverência, deitando-se no chão, e falar olhando para o chão saudando-o na língua fon, que quer dizer mais ou menos “estou me portando bem?”. Essas regras são menos obrigatórias quando se trata de estrangeiros, mas se você optar por segui-las, o rei ficará muito satisfeito e pode te abrir portas!
Outra questão interessante é sobre o poder do rei. Na cidade de Abomey, ouvimos inúmeras lendas sobre os poderes do rei. Todas as pessoas de Abomey concordam que o rei seja o homem mais poderoso do Vodun. Muitos moradores relataram façanhas mágicas sobre o rei, que vão desde fazer “brotar a água mais pura e sagrada do chão seco, até conseguir sumir e reaparecer instantaneamente em outro ponto da cidade”, numa versão africana do famoso “teletransporte”.
Existe, inclusive, uma discussão sobre se o “teletransporte” pode (ou não) ser cobrado. Um homem em Abomey nos garantiu que cada vez que alguém some e reaparece em outro lugar, a pessoa perde um ano de vida! Mas isso não é um consenso, outras pessoas nos disseram que é um poder muito raro e que não há custo nenhum para quem o faz.
De nossa experiência em Abomey, podemos dividir os pontos específicos de interesse da cidade em duas partes: Museus e Conhecimento de ofícios artesanais.
Museus de Abomey
Os museus são as principais atrações da cidade, e desde 1985, formavam um conjunto tombado como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Eles são compostos pelos antigos palácios dos Reis do Daomé, convertidos em museus durante a colonização francesa após a conquista do reino em 1894 e o exílio do rei Agoli-Agbo. Mais do que um museu no estilo europeu ao qual estamos acostumados, é um conjunto enorme de palácios tradicionais africanos, espalhados pela cidade, que vale muito a pena ser visitado.
Durante o apogeu do reino do Daomé, entre o ano de 1620 (reis Gangnihessou e Dakodonou) até o ano de 1900 (rei Agoli-Agbo), cada príncipe herdeiro tinha que fazer um palácio para viver enquanto não herdava o trono e, após a subida ao poder, outro palácio para governar. Por causa deste costume, a cidade possui uma infinidade de palácios, muitos deles em bom estado de conservação e abertos ao público, enquanto outros, abandonados.
O principal palácio, onde há um rico centro de artesanato e o Museu dos Reis do Daomé, foi do Rei Ghezo, construído no século XIX. O palácio fica no centro da cidade bem próximo a uma série de lojas que abrigam uma muitos artesãos, ferreiros, tecelões, marceneiros… Enfim, é um local agradável para conversar com os produtores de artesanato, ver o processo de produção da forja e da tecelagem, por exemplo, e comprar seus produtos.
A qualidade, diversidade e beleza dos produtos é extraordinária e, como bons jovens brasileiros interessados na cultura, queríamos comprar tudo! Até porque não é todo dia que você encontra um painel de tecido feito à mão com os nomes de todos os reis do Daomé, seus símbolos reais e o período de seu reinado; ou estátuas de cobre feitas à mão com temas tradicionais. Em alguns momentos, é possível ver os artistas preparando e finalizando as suas obras. O maior problema é que, como há muitos vendedores juntos, existe uma certa competição entre eles, de maneira parecida com o que existe em alguns centros comerciais no Brasil.
O Museu em si é extremamente interessante, mas é caro para os padrões locais, até pela relação com a UNESCO. Inclui um guia que acompanha os visitantes durante todo o percurso. Não é permitido (oficialmente) tirar fotos. Não tivemos muita sorte, pois nosso guia não estava esperando tamanho interesse sobre a História do Reino do Daomé. Enquanto estávamos curiosos para observar os artefatos e arquitetura, ele nos apressava para ir rapidamente. Um dos pontos altos da visita foi, sem dúvida, um conjunto de figuras em baixo relevo presente nas paredes dos palácios.
Para além de iconografia, elas contam histórias e mitos referentes ao passado dos reinos, servindo mesmo como uma escrita para a época. A arquitetura foi bastante alterada pelos franceses, inclusive, alguns edifícios foram inteiramente remodelados e até destruídos pelos antigos colonizadores.
Outros palácios que estão abertos à visitação estão em torno do centro e podem ser alcançados a pé, ou de moto-táxi. A entrada não é cobrada, porém contam com menor estrutura turística (informações, guias, acessos). Gorjetas aos seguranças são apreciadas!
A cidade é um grande museu a céu aberto e, a cada esquina, você encontra dezenas de referências ao Vodun, sejam templos, estátuas na rua, árvores, pedras sagradas, ou apenas um ponto importante para a história do Vodun de Abomey.
Conhecimento dos ofícios artesanais
Nosso ponto de partida para conhecer os artesãos foi o centro de turismo de Abomey. Situado próximo ao centro, ele é um antigo prédio colonial e abriga uma ótima estrutura turística, fornecendo ao visitante não só as informações necessárias para conhecer a cidade e a região, mas também disponibilizando o serviço de guias.
O melhor de tudo era a relação qualidade/preço! Pagamos R$120 reais por 8 horas de passeio para duas pessoas! Existem 8 roteiros pré-definidos pelo escritório, em que se pode conhecer os mais distintos aspectos da cidade. Escolhemos o roteiro sobre “conhecimento dos ofícios artesanais” e, durante oito horas, percorremos diversos pontos da cidade na companhia do guia Damian para conhecer:
– Fabricação de cestos de folha de palma
– Forjas de latão e ferro
– Plantações de gêneros locais
– Alambique de vinho de palma
– Criação de baixo-relevo para casas
– Floresta sagrada
– Olaria de cerâmica
– Templo de Egungun
Ao retornar ao Centro de Turismo encontramos o chefe do escritório, o pesquisador e intelectual beninense Gabin. Encontrar com ele foi algo muito importante para nós, pois permitiu discutir com parâmetros ocidentais questões referentes a cosmologia fon. Ele esteve conosco por horas, tirando dúvidas e esclarecendo os intrínsecos símbolos do Vodun.
Ir para Abomey não é uma volta ao passado, pelo contrário, é tomar consciência de um outro presente. Um presente que não nos ensinam na televisão e nem na escola, mas que está aí, tão vivo quanto o nosso presente. O próximo texto será sobre a capital do país, Porto-Novo!
Confira aqui a introdução ao Especial Viajando por Benim, Togo e Gana
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Bruno Pastre Máximo é historiador e mestrando em arqueologia pela USP e Bernardo da Silva Heer é estudante de Ciências Sociais pela UNICAMP. Os dois viajaram por Benin, Togo e Gana durante 60 dias e compartilham suas experiências nesse especial
Por dentro da África