Bruno Pastre, Por dentro da África
Porto-Novo, Benim – A capital do Benim foi batizada de Porto-Novo pelos portugueses (que visitaram a região no século XVIII), mas a cidade – que você vai conhecer neste episódio da nossa expedição – também é chamada de Hogbonou ou Adjacé (na língua Fon). Antiga sede de uma monarquia tributária do Reino Iorubá de Oyó, ela guarda um enorme patrimônio arquitetônico e histórico, recordando a monarquia e, principalmente, a influência da comunidade brasileira, que é conhecida como os agudás.
Por ser a capital, Porto-Novo possui uma robusta infraestrutura que pode ser conferida em visita aos museus, edifícios administrativos e Congresso Nacional. Apesar dos seus 200 mil habitantes, aproximadamente, a cidade não tem muita cara de capital, parece menor quando comparada à Cotonou (a 80 km de distância), o centro financeiro e executivo do país.
De-Porto Novo, é possível chegar aos países vizinhos como Nigéria, Togo, Gana e Níger. Em visita à cidade, o turista pode, facilmente, encontrar hotéis para se hospedar. Basta ir ao Centro de Recepção ao Turista, no centro! Apesar de não ser bem organizado quanto o Centro do Turista de Abomey e de ter guias mais caros do que nas cidades anteriores, é uma dica que vale a pena!
Musée da Silva des Arts et de la Culture Afro-Bresilienne
De longe, esse é o museu mais interessante que visitamos, em especial, por ser dedicado à cultura afro-brasileira, que se formou na cidade após o retorno dos descendentes de africanos (que eram escravos no Brasil) no final do século XIX.
Ele é composto por diversos edifícios e, além da exposição, possui serviços de hospedagem e um restaurante recomendadíssimo! A visita é conduzida por um guia, que conta a história dos artefatos e toda a arquitetura. Não espere algo “organizado” e metódico aqui. Acreditamos que essa aparente desordem de cronologia é algo bastante peculiar e que vale ser ressaltado.
A área principal, que abriga a maior parte da construção, é uma antiga casa da família Paraíso (Paraiso Piquino Bambero). É uma casa de dois andares, muito bem conservada e que nos faz voltar no tempo… No térreo, encontramos estátuas, artefatos, fotografias da virada do século XX e uma série de fantasias e vestimentas utilizadas na tradicional burrinha (estilo de música tocado pelos agudás). No piso superior, podemos encontrar todo o mobiliário original do seu fundador, junto com as peças em exposição: desde objetos do cotidiano até uma exposição de cartazes sobre o Brasil e os principais líderes do continente africano.
O mais interessante mesmo é experimentar a sensação de estar em uma casa “brasileira” fora do Brasil! Ao mesmo tempo que é tão familiar, lembrando uma Casa-Grande, as fotos nas paredes nos mostram negros que venceram a escravidão.
Ora, você, leitor, deve estar se perguntando: Por que diabos o nome do museu é da Silva? Pois o seu fundador, é um da Silva! Karim Urbain da Silva é um descendente de retornados do Brasil, que tivemos a grande honra de conhecer. Ele é uma famosa figura no Benin, não só pelo status econômico, mas por ser um dos maiores intelectuais, que escreve livros, organiza conferências e financia atividades culturais no país. Além de tudo isso, antes da criação da embaixada do Brasil no Benin (2007), ele foi cônsul honorário do Brasil no Benin, é mole?
Karim da Silva inaugurou o espaço em agosto de 2013 o chamado Panteão dos Líderes Africanos. Composto por dezenas de imagens de líderes africanos (alguns até controversos), eles enaltecem o potencial intelectual dos africanos e dos seus descendentes nas Américas. No meio do espaço, há uma grande árvore construída, simbolizando o terrível tráfico de escravos para a América, uma homenagem sincera e bonita às vítimas.
Após a visita, fomos conversar com o Sr. Karim da Silva em sua residência, onde fomos amavelmente recebidos. Um de nós, Bernardo Garcia da Silva Heer, possui o nome da Silva, e isso bastou para garantir uma longa conversa sobre a origem do nome e as trajetórias familiares de ambos. Terminamos com um almoço, e sugerimos colocar no Panteão figuras brasileiras como os grandes pensadores e combatentes pela emancipação do negro no Brasil: Abdias do Nascimento e Luiz Gama. Eles disseram que colocariam! (Falaremos mais de Karim na próxima matéria sobre o Carnaval Brasileiro).
Musée Ethnographique Alexandre-Sènou-Adandé
O Museu Etnográfico é uma bela herança da época colonial. Formado pelas coleções do antropólogo Alexandre Senou-Adandé, o lugar apresenta ao visitante um rico percurso sobre as diferentes culturas existentes no Benin. É algo fundamental para, de fato, tentar entender um pouco sobre as diferenças e semelhanças entre as múltiplas culturas do país.
A visita é guiada e, neste caso, tivemos uma grata surpresa, pois o guia era bastante empolgado com a história de seu país. Conversamos por um bom tempo, tiramos dúvidas e, claro, sempre traçando relações entre a cultura fon e a afro-brasileira.
O museu está localizado em uma linda casa colonial, com dois andares. A parte de baixo está voltada para as populações do norte do Benin, seus objetos tradicionais, histórias e tradições. Na parte de cima, fica exposta a coleção voltada para a cultura fon, com diversas máscaras, roupas, estátuas e outros artefatos utilizados no culto aos Voduns. O ponto alto é a coleção de máscaras Glèlè, algo único e de extrema beleza. O museu ainda realiza um trabalho com escolas locais, para que estudantes possam exibir os seus próprios desenhos.
Musée Honmè
Instalado no antigo palácio dos reis de Porto-Novo, o Museu Honmè nos remete aos séculos XVIII e XIX. O interessante é que este museu é recente, inaugurado nos anos 80, após conflitos entre a atual família real e o Estado Socialista da época, que queria nacionalizar e abrir o palácio ao público.
Por aqui, nós podemos observar uma arquitetura bastante diferente daquela que vimos nos Palácios Reais de Abomey. Enquanto lá os palácios são enormes, com cômodos largos e espaços abertos, este é um emaranhado de corredores, quartos e pátios. Cada sala apresenta uma pequena exposição, e com a ajuda do guia, aprendemos sobre o cotidiano da família real. No meio do palácio, nos deparamos com um dos Voduns mais antigos da cidade, que recebe homenagens da populações e dos turistas, que são convidados a deixar oferendas.
Mesquita de Porto-Novo
Esta mesquita é extraordinária! Na verdade, ela é extraordinária não pelo o que ela é, mas por aquilo que ela não é. Confuso? Vou tentar explicar: olhe a foto e responda de coração se esse edifício parece mesmo uma mesquita. Não estaria mais para uma igreja? É isso mesmo, é uma “igreja”!
No final do século XIX, a comunidade muçulmana da cidade resolveu construir o que seria a maior mesquita da região. Ela se organizou, arrecadou dinheiro e buscou construtores, principalmente, “brasileiros”. Como já foi dito, foi nesta mesma época que os africanos retornados do Brasil começaram a chegar em massa na região e vale lembrar, que esses ex-escravos, muitas vezes, chegavam com uma profissão aprendida no Brasil, entre elas as de pedreiro e marceneiro.
Contratados pela comunidade, esses brasileiros iniciaram a construção da mesquita, mas será que naquela época eles já tinham visto alguma na vida? Claro que não! Então, eles começaram a erguer o referencial de construção religiosa que conheciam: uma igreja! Foi a partir daí que nasceu esse interessante monumento, algo único no mundo: uma “igreja-mesquita”!
Ao contrário do que muita gente imagina, a população possui grande orgulho da construção. Para completar, do lado da “igreja-mesquita”, existe um grande templo Vodun dedicado à Legba (Exú)! No mesmo espaço, as três religiões convivem, e mais do que isso, conversam de uma forma realmente extraordinária.
Se há algo que não pudemos observar nesta viagem foi qualquer tipo de preconceito religioso. Porto-Novo é uma cidade encantadora, e vale a pena ser explorada com todos os detalhes. Lá, encontrarmos um Brasil tão esquecido por nós, mas tão vivo para eles.
Confira aqui a introdução ao Especial Viajando por Benim, Togo e Gana
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Bruno Pastre Máximo é historiador e mestrando em arqueologia pela USP. Ao lado do parceiro e Bernardo da Silva Heer, ele viajou por Benin, Togo e Gana durante 60 dias e compartilham suas experiências nesse especial
Por dentro da África