“Eu não escrevo por prazer, mas para testemunhar a realidade do meu continente”, diz Alain Mabanckou

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Alain Mabanckou- Divulgação

Natalia da Luz, Por dentro da África

Rio – Com mais de 20 obras em seu currículo, o escritor Alain Mabanckou é uma voz inspiradora que parte da África para o mundo. Nascido em Port Noire, na República do Congo, ele usa a literatura para traduzir o que acontece na África e para combater o “afropessimismo”.

“Na Africa, os artistas encontram muitas maneiras para se expressar. Eu não escrevo por prazer, mas para testemunhar e explicar a realidade do meu continente. É uma forma de me envolver em todas as questões da sociedade”, disse em entrevista exclusiva ao Por dentro da África o congolês que vive em Santa Mônica, Estados Unidos.

Alain escreve poesia, ficção, romance. O estilo escolhido depende do momento. Quando ele está mais introvertido, pensativo, é a poesia que ele usa para traduzir o sentimento, para construir a sua próxima história em versos.

” Todos os estilos literários estimulam a reflexão. No romance, especificamente, há uma dose forte de questões sociais que intrigam a minha mente. Talvez eu consiga explorar com mais complexidade o mundo em que vivemos”, contou o escritor, que, neste momento, está envolvido (de segunda a segunda, segundo ele) com a construção de um romance que se passa em sua cidade natal.

alain livrosO escritor que fala inglês, francês, bembe, laari, vili, Kamba, kituba e lingala costuma escrever sobre o que não é comum (diz ele), costuma inserir humor com memórias africanas, como em Broken Glass (2009), onde o personagem afoga suas mágoas no vinho tinto sobre livros de temática africana. A obra libera o humor contido no livro African Psico (2007), anteriormente escrito.

Em 2006, Alain publicou Memoirs of a Porcupine, que ganhou o Prêmio Renaudot, um dos mais importantes da literatura francesa. O livro é uma releitura de um conto popular em um retrato psicológico de um jovem congolês.

Direitos Humanos 

Como Alain escreve sobre a realidade do continente, ele faz questão de se posicionar contra os abusos de direitos humanos. Nesse caminho, ele escreveu uma carta pública para o poeta camaronês Enoh Meyomesse, que, desde novembro de 2011, está cumprindo pena de sete anos de prisão, acusado pelo regime do presidente Paul Biya por suposta cumplicidade no roubo e venda ilegal de ouro.

Presidente de Camarões desde 1982, Biya é considerado por muitos de seu país como um ditador. A população da região anglófona do país, onde está concentrada a oposição, denuncia a opressão por parte do governo. Nas eleições presidenciais de outubro de 2011, Biya garantiu um sexto mandato com 77,9% dos votos. A oposição alegou fraude eleitoral, e houve irregularidades relatadas por observadores estrangeiros.

Enoh Meyomesse – Divulgação PEN

“Enoh é um grande escritor que foi para a cadeia só porque fez uso da liberdade de expressão. Eu fui contatado pelo PEN (Poets, Essayists and Novelists) para encorajar as pessoas a pressionarem o governo. Fiz isso porque eu também ajo como um ativista e tenho orgulho disso. Se um inocente for preso, eu defenderei. Se você for para a prisão, eu vou ajudar a libertar você”, brincou Alain, completando que essa ajuda mútua é sinal de humanidade. 

Leia um trecho da carta 

“O mundo seria um lugar perfeito, se a liberdade de expressão não estivesse sofrendo, dia após dia, a partir da cegueira dos nossos governos, porque nos recusamos a endossar qualquer regime e porque a nossa independência não está à venda …

Você não está sozinho neste cativeiro, porque quando os escritores são jogados na prisão, eles são seguidos em suas células por um exército de leitores e colegas indignados. É com esse otimismo em mente que eu estou escrevendo esta carta para você, para lembrá-lo de que nunca deixarei de falar seu nome e de denunciar, de todos os telhados do mundo, a injustiça que se abateu sobre você e o desprezo demonstrado pelo sistema de justiça em sua direção.”

Heróis africanos

Alain Mabanckou no Níger – Divulgação

Erguer a bandeira dos direitos humanos inspira novos líderes que se mulplicam pelo continente de mais de 1 bilhão de habitantes. Peço o nome de um grande herói africano, e Alain cita rapidamente Lumumba, líder da independência do Congo e o primeiro primeiro-ministro da República do Congo democraticamente eleito. Em doze semanas de independência do Congo, em 1960, Patrice Lumumba foi deposto, preso pelas autoridades governamentais e executado por um pelotão de fuzilamento.

Pergunto qual seria a sua heroína, e Alain cita Kimpa Vita, relembrando a sua coragem, bravura. Considerada a Joana Darck africana, Kimpa foi uma profetisa do Reino do Kongo (onde hoje estão Angola, República do Congo, Gabão e República Democrática do Congo) e líder do movimento que dizia que Jesus e outras figuras cristãs eram originárias do Império do Kongo. Representando perigo para a expansão do catolicismo na região, Kimpa Vita foi capturada e queimada na capital, em 1706, por forças leais a Pedro IV.

Saiba mais sobre Mbanza-Kongo, a capital do reino do Kongo 

Colonização, Guerra Civil e a literatura atual  

A literatura na África expressa um continente diverso, de avanços tecnológicos, de eleições democráticas (apenas em 2012, foram 17 em toda a África), de inovações, de líderes, de uma África que supera desafios, mas que também precisa vencer tantos outros.

Alain Mabanckou – Divulgação

“Atualmente, temos muitos escritores que falam sobre terrorismo e colonização. Ainda temos muitos problemas que foram herança da colonização  como ditaduras, o genocídio em Ruanda, o apartheid na África do Sul e o afropessimismo. A literatura fala sobre o que acontece hoje, ao mesmo tempo em que resgata esta memória”, ressaltou Alain, um dos convidados do Back2Black e que, nesta terça-feira, recebeu a notícia de que está entre os 10 finalistas do Man Booker International Prize.

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Alain acredita que, quando pensam em literatura africana, muitas pessoas acabam reproduzindo o imaginário da face de problemas da África. Falta o interesse pelos vencedores, pela felicidade, pelo sucesso.

“Acham que nós, escritores, devemos falar sobre a escuridão, mas isso será diferente no futuro. Eu penso que a literatura vem ficando cada dia mais global. Temos pessoas de muitas partes do continente em muitos lugares. Hoje, você pode não pode dizer que não sabe nada sobre África, você pode cruzar o mar, procurar na internet e aprender sobre o continente.

Por dentro da África