Natalia da Luz e Douglas Oliveira
Soweto, África do Sul – A música é uma língua universal, por onde é possível transmitir mensagens sobre a terra, a cultura, a própria origem. Um coral nascido no país que abriga o Berço da Humanidade, a África do Sul, leva ao mundo a beleza e a riqueza que representam a África. Fundado em 2002, o Coral Gospel de Soweto oferece ao mundo uma nova versão do continente.
– O coral foi fundado para expor internacionalmente o nosso país porque conheciam a África do Sul pela dor, pela tragédia e por todos os problemas do apartheid. Agora, as pessoas sabem como é a nossa África. Queremos mostrar a nossa beleza, a riqueza na dança, na música – conta em entrevista ao Por dentro da África, Jannette Mazibuko, porta-voz do grupo que concentra as talentosas vozes de Soweto.
O coral, que já percorreu o mundo cantando em sotho, venda, zulu, xhosa, inglês, cinco das 11 línguas oficiais da África do Sul, é a prova da diversidade de um país de 50 milhões de habitantes e que hoje se orgulha do apelido de nação do arco-íris. O termo foi dado pelo Nobel da Paz de 1984 e ex-arcebispo da Igreja Anglicana Desmond Tutu após o fim do apartheid (que dividiu o país pela cor da pele, no período de 1948 a 1994)
– O nosso trabalho foi recebido em todo o mundo por grandes artistas como Peter Gabriel, Queen Lathifah, Stevie Wonder, Bono Vox… Isso foi muito positivo para a imagem do país e para nós, que somos influenciados não apenas pela música gospel tradicional sul-africana, mas pela música do mundo – afirma a cantora, durante um ensaio do grupo em auditório no centro de Joanesburgo.
Mazibuko diz que 80 % das músicas são à capela e apenas 20% acompanhadas da banda. Esse percentual favorece o entendimento da harmonia, da riqueza da voz sul-africana reproduzida em diferentes línguas, características que não se apresentam como um obstáculo.
– Você não precisa falar o idioma, entender a letra para se emocionar, chorar. Muitas músicas do show eram cantadas pelas mães de nossas mães. Elas vêm da parte mais profunda de nossos corações e falam da cultura de todo o povo, do que fazemos nas townships (favelas), nas ruas e do estilo de vida de Soweto.
Soweto: o berço da luta contra o apartheid
Os músicos vêm de uma região que se acostumou à luta e à vida. Soweto foi a maior township (áreas sem infraestrutura para onde eram levados os negros durante a época do apartheid, e onde muitos ainda vivem) da África do Sul. A região também abrigou dois prêmios Nobel da Paz (Nelson Mandela e Desmond Tutu). Hoje, suas casas são atrações turísticas para quem visita esta “cidade” cheia de história e memória.
O Levante de Soweto, em 16 de junho de 1976, foi um dos mais sangrentos episódios do período do apartheid. Mais de 10 mil estudantes (recebidos a bala) foram às ruas de Soweto com cartazes que diziam: “Abaixo o Afrikaans”. Eles falavam zulu, xhosa, tsonga, sotho e as outras línguas locais, desejando seguir devotos à própria cultura, sem a obrigação de aprender o idioma dos colonizadores (decreto aprovado pelo governo em 1974 que obrigava o ensino do afrikaans nas escolas).
Vale ressaltar que, desde 1955, o governo implantara um sistema de ensino específico para os negros, que tinha como lição principal ensinar que os mesmos eram inferiores. As aulas e todo o sistema orientavam os sul-africanos de pele escura para um mercado de trabalho não-qualificado. Muitas matérias foram excluídas, já que não eram necessárias à formação de um aluno negro.
Os investimentos no ensino da população negra foram reduzidos drasticamente, e os salários dos professores também. Milhões de negros protagonizaram esse abismo na educação do próprio país, que gastava com os negros um décimo do que era gasto com os brancos. As escolas dos negros eram muito precárias. Muitas não tinham eletricidade, nem água corrente. Com o fim do regime de segregação, todo esse procedimento governamental foi revisto.
A foto de Hector Pieterson (de apenas 12 anos), morto após o ataque violento da polícia, ficou eternizada. Rodou o mundo, levando repúdio ao sistema implantado na África do Sul, que apenas naquele ano matou cerca de 700 jovens em protestos ao longo dos meses.
Reconhecimento Internacional
Em dezembro de 2002, o grupo que orgulha o país gravou “Voices of Heaven”. Um ano depois, recebeu o seu primeiro prêmio: o “Helpmann Award” na categoria de Melhor Música Contemporânea. No mesmo ano, venceu o troféu de melhor coral internacional pelo Prêmio Americano de Música Gospel.
Em outubro de 2006, o coral cantou para convidados de Desmond Tutu em seu aniversário de 75 anos. O ex-presidente Nelson Mandela, o ator Samuel L Jackson e o guitarrista Carlos Santana estiveram entre os presentes. Em 2007, os músicos receberam o Grammy na categoria de Melhor Música Tradicional com o álbum “Blessed” e, em 2008, o Grammy de Melhor Música Internacional com o CD “African Spirit”.
– Para todos os lugares que vamos, carregamos a nossa cultura, as influências, referências e o espírito africano. Com as nossas vozes, irradiamos a nossa harmonia – conta Jannette, lembrando que, durante a Copa do Mundo 2010, o grupo do qual ela faz parte se apresentou no concerto de abertura em um dos eventos mais importantes da história de seu país.
A sequência de indicações e premiações não para por aí. O coral também levou o Grammy 2009 de Melhor Música de Filme junto com Peter Gabriel com “Down to Earth”, do Wall-E. Um ano depois, recebeu a quarta indicação ao Grammy com a Melhor Música Tradicional pelo álbum “Grace”. No ensaio no qual estivemos, eles cantaram algumas faixas do último CD e dançaram usando as cores, os sons, a energia da África.
– Tentamos incluir o máximo de diversidade do nosso país. As pessoas ficam impressionadas quando ouvem a nossa música em tantas línguas. Isso faz com o que seja refletida a cultura que existe nessa linda nação do arco-íris.
Por dentro da África
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