Cultura: A arte de contar lendas e histórias africanas

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Divulgação – Trecho de Kiriku

Por Mario Tenório Cavalcanti, Por dentro da África  

Rio – Podemos considerar esta atividade como arte porque no Ocidente, de forma geral, a dinâmica como um relato sem escrita ocorre, não é absolutamente natural. Segundo Ronilda Y. Ribeiro, “disciplinar a palavra significa também não utilizá-la imprudentemente. Constitui-se na exteriorização das vibrações interiores da fala.”

Assim sendo, trata-se da valorização da transmissão oral de conhecimento e de sabedoria abrangendo todas as atividades sociais a partir, unicamente, da palavra falada e da ausência da escrita. A relação com a palavra demanda uma atitude minuciosamente consciente, pois se tratando de cultura ocidental, é exigido um trabalho linguístico refinado, não necessariamente complexo, mas simplificado até que a essência do conteúdo apareça.

É de grande importância para o contador de histórias ter experiência com a própria fala, com a própria voz, assim como conhecer a realidade que está sendo transmitida e seus significados ancestrais.

O contexto da palavra como comunicação usual, histórica ou lenda da mitologia dos deuses, insere a palavra em um determinado sentido, cabendo a quem transmite dar fluxo a algo que viveu ou aprendeu de forma oral, reproduzindo transmitindo o conhecimento de geração para geração, de maneira intacta, perpetuando a oralidade. Aí está o rigor da questão. Entenda-se que não há outra forma, neste contexto, de reviver algo que data de 2.000 anos a. C, por exemplo!

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O rigor da tradição permite que cada geração acrescente algo a mais que possa ser assimilado ou revivenciado, e que, a esse caminho, mesmo intacto, possam ser acrescentadas vivências de varias formas, que, por sua vez, serão retransmitidas.

Para nós, ocidentais, o fato de não termos vivido na pele essa cultura, fomos obrigados a traçar outro rumo. Nasceu a necessidade de formar vínculos com nossos ancestreais mais antigos. Isso porque não é necessário ter a pele negra para ser negro.

Nascem então três momentos distintos:
1- receber uma tradição oral, escrita por europeus ou outros povos.

2- vivenciá-la no íntimo de seu ser, se possível, formando vínculos com a mesma.

3- encontrar uma forma de transmitir o mais fielmente possível segundo a tradição, sem perder o foco de que esses conteúdos existem para ser transmitidos.

Um rio que não pode parar nunca de correr. “Os iorubás, por exemplo, consideram a palavra sete vezes mais poderosa do que qualquer rito ou preparado mágico. Consideram seu poder criativo não restrito ao momento da criação, mas passível de ação atual. Uma vez pronunciada, a palavra desencadeia resultados por vezes imprevisíveis. Conecta a mente humana à matéria, permitindo a ação daquela sobre esta”,  assim dizia Ronilda I. Ribeiro com muita propriedade.

No caso específico das lendas de Orixás, deuses iorubanos, deve-se procurar as fontes mais próximas da origem africana, para um melhor estudo das raízes das mesmas e, se possível, adentrar-se na língua iorubá, para entender melhor a real força da palavra. A oralidade pede atitude diante da vida.

Mário Tenório (Kekere Awo Ifagbenró) ministra aulas de”Lendas africanas e os Orisà” . Acompanhe a página do evento aqui