Coluna África em Crônica: “Meninos de Gana”

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Acra, Gana – Foto de Naiara Cremasco

Naiara Cremasco, Por dentro da África

(Naiara é africanista e estudante de Jornalismo da PUC – RIo de Janeiro)

Acra, Gana – Quando o vi pela primeira vez tive vontade de largar tudo o que tenho no Brasil e ficar em Gana, para sempre. Ele olhava fixo para mim, e eu para ele. Naquele momento, passei a ter sede. No fundo, eu sabia que aquela sensação era apenas o meu corpo agindo com uma desculpa para que eu pudesse me aproximar dele.

Sorrindo, pedi uma água e disse que ele podia ficar com o troco. Tímido, ele agradeceu. Ele tinha o olhar sério e, nas entrelinhas, eu conseguia enxergar um pedido de socorro. Pedi permissão para tirar uma foto. Sério, ele consentiu. Eu disse “smile”, mas ele não sorriu. Olhei para trás, meus amigos estavam à minha espera. Ignorei. Em poucos segundos, toda a minha vida começou a rodar em minha cabeça…

gana 5Quem eu era diante daquela criança? Me senti impotente. Queria dar o mundo à ela, e não podia. Mais uma vez, quem eu era diante daquele garoto? Quis chorar, senti raiva de mim. Um navio de lembranças começou a navegar em minha mente. Eu vi casas de palafita, malária, crianças exploradas e sonhos despedaçados. Senti a África pulsando forte no meu peito. Aos poucos, fui me afastando do menino que, atônito, ainda me olhava. Quis voltar, não consegui.

Para mim, ele não era apenas mais um menino vendendo água. Aquele garoto era, de fato, a resposta da minha escolha pela África. E eu, que estava realizando o maior sonho da minha vida, só consegui me afastar naquele momento. Tive vergonha de mim mesma, tive raiva. Eu estava travada e a imagem dele se distorcia cada vez mais diante dos meus olhos. A realidade nua e crua na minha frente e, com ela, um sentimento de culpa. Eu queria largar tudo por aquele menino, mas não consegui. No caminho para Kwamo permaneci calada.

Cape Coast, Gana – Foto de Naiara Cremasco

A imagem do menino não saía da minha cabeça. Novamente, comecei a me questionar sobre quem eu era. Foi então que cheguei a conclusão de que eu não era nada diante daqueles olhos. Por um segundo deixei de acreditar nas cores, nas fantasias, magias e histórias de piratas. Tudo era tão supérfluo perto daquela criança que eu só queria chegar em casa, olhar para o céu e conversar com as estrelas ao anoitecer.

Os astros estavam em festa, e eu tinha vergonha de dançar. Borboletas rasgavam o meu estômago e os meus olhos eram incapazes de descansar. Um menino, uma história, uma vida que eu deixei para trás. Como eu poderia me perdoar? Mais um dia na África, e o meu sonho colorido começava a se desbotar…

Por dentro da África