Texto do Mulheres de Periferia enviado ao Por dentro da África
Dia 25 de julho é comemorado o Dia da Mulher Negra, Latino Americana e Caribenha e o Nós, mulheres da periferia traz algumas das crônicas que as mulheres negras da periferia enviaram para a seção “Nossas Vozes” nos últimos dois anos contando como foi o processo de recuperação da ancestralidade e de se enxergarem como pretas.
Os relatos são os mais diversos. Demonstram como a falta de representatividade no meio midiático influenciaram totalmente no processo de identidade. São histórias que contam como elas sofriam ao alisar o cabelo, ou, então, não se acharem bonitas, por não terem uma beleza baseada em conceitos europeus.
Nos textos, elas contam quão libertador e significativo foi a reconexão com suas origens, fazendo-as abandonar as chapinhas, enfrentar o racismo institucionalizado e servir como representatividade para outras meninas negras nos bairros periféricos. Confiram!
Sobre Tornar- se Negra
“É um processo bastante doloroso e, também, confuso. Antes estava no tronco com roupa, agora estou pelada. Enxergo a minha cor sem forro, e tenho orgulho dela, mas o chicote dói mais. E a dor, às vezes, paralisa, o que, por sua vez, gera mais angústia, e aí está formado o círculo de culpabilização de um negro em processo de descobrimento: além de não saber-se como parte da raça, e nem como indivíduo, há todo um contexto de depressão, ansiedade e angústia presentes que nos afastam de um cotidiano normal.
Sempre gostei de escrever e atualmente, que tenho produzido textos com frequência, uma coisa me enerva: eu quase não produzo textos ficcionais. É uma loucura porque ao mesmo tempo que acho um saco escrever sobre experiências e percepções pessoais, quando pego na caneta é só isso que vem à cabeça. Eu sou tragada pela minha própria realidade, luta, ansiedade. Isso quando simplesmente não consigo produzir em questão da insegurança, medo, questionamento e desgosto de ser quem eu sou”. (Géssica Borges é moradora do bairro Lago Azul, localizado no extremo sul de São Paulo).
Quando me tornei negra
“Faz 1 ano que sou negra. Isso não aconteceu por acaso, nem de um dia para o outro, mas é possível definir que há um ano eu assumi essa identidade. Nasci branca. Quase loira, alguns diziam. Meus cabelos finos eram bem clarinhos, a pele pálida, de acordo com meu nome “lívido, pálido”. Os parentes, as visitas sempre me elogiavam quando iam me conhecer. “Que menina bonita, branquinha”. Eu fui uma criança racista.
Quando era bem pequena, dizia que não gostava da cor da minha mãe, segundo ela. Dizia que minha irmã, mais escura que eu na época, devia ser filha da mulher negra que morava na rua. Não me lembro. Já na escola, me achava feia. Odiava meu cabelo. Chorava nas tentativas de desembaraçá-lo, sofri quando peguei piolho. Me perguntava: “Por que Deus não me deu um cabelo liso?” (Lívia Lima da Silva, moradora d Arthur Alvim, zona leste de São Paulo).
Fizeram questão de apagar dos papeis a memória preta de minha família
“Sou negra. Hoje eu sei. Me orgulho, solto os cabelos armados e com eles me armo contra todo e qualquer preconceito. Sou negra. Levanto a bandeira, a balanço com força e vou pra cima de quem preciso for.Sou negra, mas cresci uma criança branca. No cartório, só viram a cútis clara de meu pai. Fizeram questão de apagar dos papeis a memória preta de minha família. O nariz largo de minha mãe. O cabelo crespo de minhas tias. Sou negra. Mas durante toda a minha infância me gritaram por “moreninha”, a mais moreninha entre as primas brancas, magras e de cabelos lisos na cintura.
Sou negra. Independentemente do tom de minha pele misturada – preta, vermelha, amarela – sou negra. Nasci cabeluda, cresci com mais cabelo ainda. Cabelo ruim. Cabelo embaraçado. Cabelo crespo que cobria todas as minhas costas e o meu coração dolorido de insulto. Logo, se transformou também em cabelo preso. E preso permaneceu até os sete anos, quando cortei chanelzinho, com uma única esperança: vai crescer liso. Ledo engano.(Jéssica Moreira, moradora do bairro de Perus, região noroeste de São Paulo)
Consegui encontrar a negritude que me negaram: ser negra foi a maior das minhas escolhas
“Entendi que o tom claro da minha pele não pode determinar tudo o que sinto, acredito, defendo e nem pode esconder minha história e da minha família. Seria mais fácil alisar meu cabelo e aceitar o rótulo de branca, mas agora eu escolhi soltar meus cachos e dizer “eu tenho sangue negro e como eu me orgulho disso”.
Consegui encontrar a negritude que tanto me negaram principalmente quando entendi que isso passava pelas minhas escolhas, e ser negra sempre foi a maior delas.Escolhi amar meu cabelo cacheado, escolhi cultuar minha ancestralidade africana, escolhi respeitar o sagrado do terreiro, escolhi ser filha de Iansã, escolhi militar pelas cotas raciais, escolhi ter um discurso de mulher negra que reconhece a dívida histórica que a sociedade brasileira precisa pagar e escolhi ser mais uma voz que grita contra o racismo e o genocídio da população negra”. (Regiany da Silva é moradora mora em Itaquera, zona Leste de São Paulo).
Sou neguinha e daí
Minha mãe sempre nos dizia que eu não era neguinha, e sim moreninha, e fazia com que “neguinha” se tornasse ainda mais ofensivo para mim. Até que um dia eu decidi, nunca mais ninguém irá me chamar de neguinha. Com essa decisão, comecei a negar a minha raça. Quando a minha irmã mais velha gritava comigo me chamando de neguinha, me defendia como se isso fosse um xingamento e revidava.
Até que um dia comecei a ver que ser negra não era ruim, como me diziam, e o tomei a decisão mais importante da minha vida. Pouco me importa o que a minha irmã diz, o que me importa é ser quem eu sou: Negra. Desde então, assumi a minha cor e comecei a me orgulhar disso – sou Neguinha. (Edilene Nascimento, moradora do bairro Chácara Santo Amaro, na região do Grajaú, zona sul de São Paulo)