Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – Um país localizado no Golfo da Guiné foi escolhido como tema do samba-enredo da Beja-Flor deste ano. Com o enredo “Um griot conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade “, a escola campeã 12 vezes do carnaval carioca vai levar 3.700 componentes para homenagear o país africano.
– Vamos contar a história do país, começando pela floresta equatorial com a árvore símbolo do país: a ceiba (nome de um gênero de muitas espécies de árvores de grande porte encontradas em áreas tropicais), que faz parte do brasão. Teremos uma grande cascata e uma imensidão verde – disse, em entrevista ao Por dentro da África, o carnavalesco Fran Sérgio, que visitou o país três vezes.
Apesar do nome, a Guiné-Bissau (de colonização portuguesa) e a Guiné Conacri (de colonização francesa) estão bem distantes geograficamente da Guiné Equatorial.
Com fronteiras entre Gabão, São Tomé e Príncipe, Camarões e Nigéria e cerca de 700 mil habitantes, a Guiné Equatorial é o único país da África de língua oficial espanhola, mas foram os navegadores portugueses os primeiros europeus a explorarem o Golfo da Guiné, em 1471.
Em 2010, o presidente Teodoro Obiang decretou que o português seria uma das línguas oficiais do país, ao lado do espanhol e do francês. Desta forma, a Guiné se juntou, no ano passado, aos oito países membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) com Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste).
Apesar de o IDH do país ser considerado médio, a Guiné Equatorial possui o maior PIB per capita do continente africano, por conta da exploração do petróleo, que vem crescendo nos últimos anos.
Riquezas da Guiné
A descrição do samba-enredo ressalta que a África está diante de um horizonte da reconstrução, respeitando a história daqueles que resistiram, observando a luta de quem um dia venceu a dor. A nova face da África se lança rumo ao progresso; o Golfo da Guiné é o berço da herança cultural deixada pelos medievais reinos tribais dos Benga, dos Bubi e pelos clãs Fang.
– A ideia de falar sobre o país surgiu quando a Beija-Flor recebeu um convite para ir à festa da independência, em 2013. Foi quando vimos a beleza do país, as ilhas, as praias, a grande floresta equatorial! O encontro de um povo muito alegre, colorido e que dança o balelê (ritmo parecido com o samba) nos chamou atenção e nos inspirou para falar sobre o país – contou Fran.
As principais riquezas da Guiné Equatorial são a pesca e a agricultura, com produtos como o algodão, café e cana de açúcar, além do petróleo. Desde o fim do século XX, com a exportação de petróleo, a renda per capita vem aumentado, ainda que a riqueza se concentre nas mãos de uma minoria. A exportação do barril por habitante é similar à do Kuwait.
– Hoje, é um país que está se destacando no cenário africano e que está usando o petróleo para construir uma nação mais moderna. Um dos nossos carros, que fala sobre as riquezas da Guiné Equatorial, vai surpreender na Sapucaí! – disse Fran, apontando para o carro que ressalta as atividades econômicas do país como a agricultura e a exploração do petróleo.
A referência ao griot no samba-enredo
No desfile da Beija-Flor, a terceira escola a desfilar na Sapucaí nesta segunda, o griot contará a história do país. A palavra griot é uma denominação francesa dada pelo colonizador – em português, seria o equivalente a “criado”. Esses guardiães da tradição oral, dos mitos e lendas africanas estão presentes entre muitos povos como os Mandinka, Fula, Hausa, Songhai, Wolof, Mossi e Dgomba, espalhados, principalmente, pela África Ocidental.
Eles são os porta-vozes da história e cultura de regiões onde as palavras contadas criam os valores e a identidade de um povo. Respeitados pelas sociedades africanas, os griots mantêm vivos os costumes de uma época onde as memórias auditiva e visual eram os únicos recursos de que dispunham para a transmissão do conhecimento. Apesar dos avanços da escrita e da tecnologia, o papel deles não ficou obsoleto, permanece vivo.
– O griot entra na avenida representando o sábio africano, contando a história do samba-enredo. Haverá uma encenação dessa energia e referência de respeito pelos ancestrais – lembra o carnavalesco.
Beija-flor e África
A Beija-Flor foi formada por um bloco carnavalesco no dia 25 de dezembro de 1948, mas apenas em 1953 se tornou oficialmente uma escola de samba. Desde então, o continente africano e a história dos negros no Brasil sempre foram abordados.
Em 2007, Áfricas: Do Berço Real à Corte Brasiliana deu título de vencedor do carnaval carioca à escola. Neste ano, com a África novamente na avenida, a expectativa é grande.
– A África é um continente com muitos elementos, muitas histórias, muita riqueza. É uma inspiração para o nosso carnaval.
Aprenda a letra do samba-enredo
UM GRIÔ CONTA A HISTÓRIA: UM OLHAR SOBRE A
ÁFRICA E O DESPONTAR DA GUINÉ EQUATORIAL.
CAMINHEMOS SOBRE A TRILHA DE NOSSA FELICIDADE”
Autores: J.Velloso, Samir Trindade, Jr Beija-Flor, Marquinhos Beija-Flor, Gilberto Oliveira, Elson Ramires, Dílson Marimba e Silvio Romai
Participação Especial: Ribeirinho e Junior Trindade
Intérprete: Neguinho da Beija-Flor
Vem na batida do tambor
Voltar na memória de um griô
Fala cansada, mãos calejadas
Ouça menino Beija-Flor
Ceiba, árvore da vida
Raízes na verde imensidão
Na crença de tribos antigas
Força incorporada nesse chão
O invasor singrou o mar, partiu em busca de riquezas
E encontrou nesse lugar
Novas Índias, outras realezas
Destino trocado, tratado se faz
Marejam os olhos dos ancestrais
Nego canta, nego clama liberdade
Sinfonia das marés, saudade
Um africano rei que não perdeu a fé
Era meu irmão, filho da Guiné
Formosa, divina ilha testemunha dos grilhões
Eu vi a escravidão erguer nações
Mas a negritude se congraça
A chama da igualdade não se apaga
Olha a morena na roda e vem sambar
Na ginga do balelé, cores no ar
Dessa mistura vem o meu axé, canta Brasil, dança Guiné
Criança, levanta a cabeça e vai embora
O mar que trouxe a dor riqueza aflora
Tem uma família agora
Quem beija essa flor não chora
Sou negro na raça, no sangue e na cor
Um guerreiro Beija-Flor
Oh, minha deusa soberana
Resgata sua alma africana