Cais do Valongo: ponto de partida para o circuito da Herança Africana no Rio

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Foto: Cais do Valongo – ONU

Com informações da ONU

O Rio de Janeiro fez parte da história de travessias do Oceano Atlântico que não pode ser esquecida. Durante o século 19, desembarcaram mais de 500 mil escravos africanos em uma região conhecida como o Cais do Valongo, ponto de partida para um circuito que faz referência à Herança Africana na cidade.

“O Cais do Valongo foi construído para receber e para comercializar escravos. Depois que D. João VI veio para o Rio, o comércio causava incômodo porque vendia-se gente nas ruas, gente coberta por um pedaço de pano na virilha, gente vendida como animais. Então, foi estabelecido o Cais do Valongo”, explica em entrevista ao UNIC Rio, o maior africanólogo em língua portuguesa, Alberto da Costa e Silva.

Alberto conta que o Rio de Janeiro sempre foi ponto de chegada de escravos desde o início de sua história, mas foi no fim do século 17 que se transformou no maior cais de desembarque do Brasil, da América e do mundo. Segundo o especialista, acredita-se que metade de todos os africanos escravizados que vieram para as Américas chegaram pelo Brasil.

O processo de escavação da região – entre janeiro de 2011 e junho de 2012 – reafirmou a necessidade do resgate da história que liga africanos, brasileiros e portugueses. Responsável por supervisionar o trabalho, a arqueóloga Tania Andrade Lima disse ao UNIC Rio que foi possível recuperar uma série de fragmentos da cultura material das primeiras décadas do seculo 19, quando o cais esteve em atividade.

“Encontramos uma vasta cultura material das classes dominantes e dos africanos escravizados. Essa área ficou impregnada por uma negritude e ficou conhecida por Heitor dos Prazeres como a Pequena África. Antes de varrer para debaixo do tapete as nossas vergonhas, é preciso trazê-las de volta e aprender novas formas de conviver com essa realidade tao dura”, disse Tania.

Cemitério dos Pretos Novos

Conhecido como o Cemitério dos Pretos Novos, um ponto localizado no centro da cidade é parte importante do circuito da Herança Africana. Durante as escavações, no ano de 1996, Merced Guimarães, diretora do Instituto dos Pretos Novos, encontrou um verdadeiro sítio arqueológico enterrado em sua casa.

“A casa precisava de obras. No primeiro dia de obras, o pedreiro chegou e disse que os antigos proprietários deveriam ter muitos cachorros porque o chão estava cheio de ossos. Eu peguei uma arcada e vi que não era de cachorro, era de gente! Então, veio a prefeitura com arqueólogos e eles decidiram que aqui seria o Cemitério dos Pretos Novos”, disse Merced, completando que é preciso preservar a história para que a escravidão nunca mais aconteça.

Candidatura como Patrimônio da Humanidade

Devido a importância para a história do Brasil, dos africanos e do mundo, o Cais do Valongo pode ganhar o título de Patrimônio da Humanidade. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) elaborou um dossiê técnico para a candidatura que será entregue em fevereiro de 2015.

O pedido de inclusão na lista da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) acontece no contexto das celebrações pelos 450 anos de fundação do município do Rio de Janeiro e da Década Internacional de Povos Afrodescendentes (2015/2024), instituída pela Assembleia Geral da ONU.

O Cais do Valongo foi declarado patrimônio nacional em novembro de 2013, quando a UNESCO considerou o local parte da chamada “Rota do Escravo”, projeto criado pela instituição em 2006 para destacar o patrimônio material e imaterial relacionado ao tráfico de escravos no mundo. Construído para ser ponto de desembarque e comércio de escravos, em 1843 ele foi transformado no Cais da Imperatriz para receber Teresa Cristina, que se casaria com D. Pedro II.

“O contexto da elaboração desse dossiê acaba entrando como um sistema muito coeso que confere significado ao Cais do Valongo. Nesse sentido, alguns outros pontos debatidos no passado são importantes para compreensão como o Cemitério dos Pretos Novos, o Jardim do Valongo e a Pedra do Sal”, contou Ivo Barreto, superintendente do IPHAN, acrescentando que o Cais do Valongo tem uma materialidade inegável.

Mãe Celina de Xangô acompanhou o processo de escavação do Cais do Valongo e conta que, nesse período, veio à tona a sua história ancestral e espiritual. “O Cais do Valongo é a nossa história. Agora podemos contar a história que nos foi negada. Vou usar uma frase que eu uso desde que piso aqui: A senzala o negro já sabe onde é e como é. Agora, vamos deixar ele sentir o gostinho da Casa-Grande!”

Com informações da ONU