África em Verso: O Alto Maé que mora em mim

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Maputo, Moçambique – Foto – Natalia da Luz


Hirondina Joshua, Por dentro da África

O bairro onde moro foi atropelado pelo tempo

que forçosamente nega-se a empacotar outros destinos.

Chama-se “Alto”…

Quando a chuva que lhe corre é fria

não nas suas temperaturas, escorregadia como a brisa

que se ventea nos buracos felizes destas ruas serpenteadas

em areias ao invés de betão.

Chama-se “Alto”…

Este habitat de “latas” novas trazidas por sei lá quem

a este paraíso urbano sem nome em nós,

queremo-lo assim entre alma e carne, passageiro,

nomes são significados que não significam nada.

Além de mais não os sabemos ler nem escrever

e se soubéssemos isso menos significaria.

Em nós há um bairro onde moramos e nos moramos,

vivemos e morremos a cada milésimo de segundo.

E isto basta-nos.

Basta-nos.

Tenho um alto-maé que vive em mim

alto-maé de casas que testemunham o silêncio,

a fúria em cinza das moças que vestem saias

que demarcam fronteiras suspeitas com os rapazes

que ao invés de calças vestem “tchuna boys”

suas roupas interiores são mais curiosas que o mundo.

Há muitos alto-maés em mim,

das flores que transpiram a volúpia noturna perto da pelé-pelé,

das rotundas de jardins quadrados da gente alegre

e mais esperta da cidade (alto-maé não me deixa mentir)

nem suas mesquitas e igrejas calam a voz de Deus aqui

onde o sol se senta mesmo de noite do negro

mercado negro que devia se chamar lua ao invés de “estrela”

pois nela embarcam todas ânsias daquelas gentes,

muitas delas não daqui,

da padaria Moçambique que desde sempre alimentou a esperança

de um melhor pão, dos barulhos quentes dos ralis antes

do fim de semana do sapateiro que canta com o seu martelo

abingalado de alguém a escrever um verso que talvez não mude nada,

mas um verso é um verso, um verso é um universo

o inverso disto é que não era é humano cada um com o seu alto-maé.

Este é o meu. Este foi o que me deram.

Este é o que vejo e que me olha sempre.

De um outro não preciso.

Daqui consigo sentir a voz de todos alto-maenses

porque o som não tem gente na sua metafísica nem um bairro

existe quando não se tem por existir repito:

cada um com o seu alto-maé, e este meu é altíssimo em mim.

joshua