África em Verso: Máscara de Flandres

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Jacques_Etienne_Arago_-_Castigo_de_Escravos,_1839.
Jacques_Etienne_Arago_-_Castigo_de_Escravos,_1839.

   Elisabete Nascimento, Por dentro da África

Queres dizer o que devo dizer?

Queres dizer como devo viver sem incomodar você

E lavar, passar, cozinhar e ainda ninar, como ama de leite, teus bebês?

Queres dizer porque devo existir

Mas não persistir e nem insistir em Ser,

Depois de calar-me à custa de flandres?

Queres dizer o que devo pensar

E me impor a alvura do Norte, a caligrafia de teus versos

E demonizar o Padê, o Agueré e o Alujá: comida e dança de Orixá,

Depois de calar-me à custa de flandres?

Queres dizer que não devo escrever meus poemas negros,

Nem cantar pra Oiá nas noites de Lua azul e de Xirê,

Que devo esquecer de Leopoldo no Congo

E Diogo, o cão, de suas misérias e barbáries,

Depois de calar-me à custa de flandres?

Queres dizer para eu crer na tua invenção do meu Ser,

De ser eu mesma a culpada de meus infortúnios

E sevícias em meu corpo de memória esgarçado por ti,

Que devo assumir que me fiz cativa,

Herdeira de Cam amaldiçoado de Noé,

Depois de calar-me à custa de Flandres?

Queres dizer o que devo Ser

E que repita rimas e sinas desgastadas:

Sou suja, lúgubre, nefasta, nefanda e encardida,

Boçal, cheia de mimimi, vítima de mim mesma.

E ainda assim devo amar-te e agradecer-te

Por desfrutar da mulata saborosa de ganho, enfim…

Já que me deste a máscara de flandres?

Quanta pretensão!

Acreditar que esgrimirei a forja de Xoroquê contra mim.

Cunhar e forjar coleiras, correntes e pentes de ferro

E submeter-me aos teus delírios, jamais!

Se a ti não devoto metáforas e alexandrinos,

Se não repito em meu corpo tuas selas:

Mulata gostosa e fogosa,

Colocas-me em cela: cabelo ruim.

Queres dizer como devo pulsar, vibrar e ouvir, vestir-me e sonhar, coser e cozer e gozar

E me impedir de falar: não conseguiste calar-me, de fato, à custa de flandres?

É que inventei uma Lírica de infinitos Itans e Orikis.

Quanto ao valor destas vivências, só a ti meu leitor, meu amor

Cabe tirar tantos versos da indigência de afeto.

Mas eles alertam: quebrar o ferro não abole o despautério.

Observai do ferro ao silício, o que não pode ser silenciado…

Ainda queres dizer o que devo pensar, dizer, rezar e amar

Depois que quebrei a máscara de Flandres?