África em Conto: “O mar do menino”, por Lauro Cardoso

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sao toméLauro José Cardoso, Por dentro da África 

De tanto observar seu pai no ato da pescaria, quando os dois iam de canoa para o alto mar, ganhar tempo, ganhar vida através da quantidade de peixes a serem pescados e vendidos no principal mercado da cidade de São Tomé, o filho, de apenas 9 anos, aprendeu tal ofício quase genético, munido duma atenção curiosa que o fez saber como usar essa arte ao seu favor.

As redes de pesca metamorfoseavam-se em instrumentos fáceis de ser manuseados. Os remos que, no começo pareciam duros, passaram a ser mais leves, pois as suas mãozinhas já se tornavam autossuficientes para esse tipo de trabalho. Dizem que a leveza do espírito consegue mover qualquer dureza física. O “anzu” (criança) do mar percebe isso. E tão cedo vai iniciando a aplicação desse princípio.

Sob as regras do mar, não muito longe nem muito perto daquela praia em Neves, onde este miúdo esperto-espertíssimo habituava-se pescando, no comando da canoa, sozinho, ou melhor, acompanhado do seu irmão de 7 aninhos, que sem mais demoras, também irá com duvidosa certeza, seguir as mesmas “ondadas” patriarcais. Um destino traçado, mas incerto porque nem sempre um fruto do pescador, pescador é.

Mesmo expostos aos perigos da natureza, esses obreiros infantis encaram o desafio, o esforço, a pesca tradicional, e ainda por cima nadam como se o oceano fosse uma parte crucial dos seus pequenos âmagos. Uma respiração cheia de maresia, que os identifica e ensina o valor do trabalho honesto, sem que precisem passar pela escola.

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O conhecimento também brota de lugares onde nada se espera colher. O segredo das boas colheitas está na persistência. Inicialmente, a inexperiência pode falar mais alto, os erros podem ser enormes, mas quando a vontade de vencer é multiplamente enorme, os bons resultados aparecem. Dentro da canoa, existe uma lengalenga que balança os corpos, as ondas fazem agitar esse objeto que impede a água de entrar em grande quantidade, e afundá-lo.

O garoto permanece firme nas suas pequenas pernas, tentando seguir a sua sina, na busca do alimento e do empirismo que lhe permitirá melhor conduzir, aquilo que o Criador ofereceu “quase afabalmente” (gratuitamente): a inteligência para o domínio-imperfeito-do mar.

No céu, havia muitas nuvens com uma branquitude acinzentada, uma ameaça de trovoada estava um tanto distante. A amenização do ambiente inventava certa calmaria marítima, e os pensamentos do menino aplainavam até lugares longínquos, onde ele se imaginava numa sala de aula, aprendendo o que não desejaria aprender. Afinal, tudo o que ele quer está ao seu alcance. A imensidão salgada à sua frente representa a educação facultativa que é essencial na identidade que vai construindo.

Durante esse tempo, os peixes iam sendo apanhados aos montões, queixando-se do seu ganho de azar e da vitória de sorte do pequeníssimo pescador. Pra ver que a natureza consegue beneficiar uns, prejudicar outros, e de vez em quando, os seres beneficiados também acabam saindo prejudicados.

Variados sorrisos rodeavam os lábios do rapaz, que via uma formidável recompensa pela devoção ao rejubilar das águas marinhas. A felicidade é feita de pequenas conquistas. Naquele instante, a aluvião dos peixinhos tristonhos com uma respiração desinspirada, era o motivo desse triunfo. Com certeza, isso seria um motivo de orgulho para o seu pai, que mesmo não estando ali no momento, se fazia representar abstratamente, nos ensinamentos que passou para o primogênito.

Já de regresso à praia, por volta das 10h15, ele, mais o seu pequeno irmão, arrastaram com uma boa dose de força, a canoa que os guiou e continuará guiando pelo mar fora, nas próximas viagens. O resultado da pescaria foi demasiadamente proveitoso para estabelecer-se desaproveitado. A mãe, que é ”palaiê” (vendedora de peixe) e costuma vender os peixes na feira de ponto ou arredores, lá pela capital, estava com a mão na cintura, numa pose matriarcal, perto do sítio onde a areia e o barro se encontram em exaspero.

De olhos bem fixos nos filhos, esperando-os com um sorriso nos lábios, devido à retribuição que lhe foi passada pela cara de felicidade dos miúdos. Ela sentia-se orgulhosa e satisfeita com o fato de ver seus rebentos a cuidarem de si e da sua família, desde a mais tenra idade. Mesmo que muitos olhem para essa situação como uma exploração de mão-de-obra infantil, é priorizável dizer que existe uma política prazerosa no interior dessas crianças-crescidas, cuja aprendizagem as levam a sentirem-se capazes e importantes, dentro da estrutura familiar.

Também coexistem na ideia de que a vocação não é uma característica somente dos antropólogos e doutores de uma determinada ciência, pois pode ser inspirada para as ditas classes menos valorizadas e mal posicionadas na convencionalidade da pirâmide das profissões.

Após ter cumprido sua missão naquela batelada azul-esverdeada, o catraio esperto-espertíssimo, em vez de descansar o cansaço, acabou espoletando-o multiplamente, seguindo para o mato com os seus amiguinhos do peito, para uma expedição aos safuzeiros (árvores que concebem um fruto chamado Safú, típico em São Tomé e Príncipe) que iam reproduzindo imensos “safús” na época.

Pretendia arranjar muitos deles para vender, principalmente, aos mais ilustres cidadãos de Neves, – pequena cidade do distrito de Lembá – e os restantes iriam ser levados a casa, onde seriam degustados pelos seus pais e irmãos.

Trata-se dum estilo de vida agitado, mas que é vivido com a intensidade de quem ama fazer o que faz. No momento em que voltava para o lar doce lar, quando a tarde ia se tornando mais escura e as estrelas se materializavam timidamente no teto do planeta, o menino de pele negra e africana deu um salto até a praia, para dar um mergulho gostoso de água salgada, saboreando a sua independência traquina e pensando no dia de amanhã, que espera vir a ser tão bom como o dia de hoje que, calmamente, anoitece.

Lauro José Cardoso nasceu em Tomé e Príncipe e estuda Humanidades na Unilab de São Francisco do Conde