Bernardo Intipe, Por dentro da África
Este conto é a continuação de Mininus Lutadur
Bissau – Na manhã seguinte, no meio da multidão, Kint ton estava no pilum pa kulka mancarra vendendo amendoim na rua, de pé, assistindo à dança dos fanados nobu (os que saíram da circuncisão) com a vasilha cheia de mancarra (amendoim) na cabeça. Mais de trinta minutos depois, resolveu colocar a mão dentro da vasilha para verificar se ainda havia mancarra nela. Como diz um provérbio guineense, “djubi kata fura udju” (ver não fura os olhos).
Colocou a mão na vasilha. Não encontrou nenhum grão de mancarra. A tristeza o abalou e lágrimas começam a descer em sua face. Estava chorando porque pensou no que aconteceria quando chegasse em casa. Voltou o olhar para o companheiro que ali estava a vender junto dele e perguntou:
— Você sabe quem roubou a minha mancarra?
O companheiro, comovido com a questão de Kit ton, olhou bem dentro de seus olhos e respondeu:
— Não!
Kit ton, no meio do caminho, chorava com a vasilha vazia na cabeça. Não havia ninguém para consolá-lo pela perda. Provavelmente apanharia da mãe quando chegasse em casa. Começou a andar mais devagar como se nada tivesse acontecido. Só pra gastar o tempo no caminho com aquelas preocupações.
De longe, a mãe o viu, mas nem notou que ele estava chorando.
— Acabaste tão cedo hoje! Hoje é seu dia de sorte! Aproxime rápido que vou tomar banho para ir ao mercado de Bandim para puder comprar outra mancarra pra você vender à tarde.
Quando reparou a tristeza do filho, questionou:
— O que está havendo, filho?
— Me roubaram.
A mãe o retorquiu:
— Como foi que isso aconteceu?
— Mãe, nem sei explicar.
Kit ton chorava e ao mesmo tempo falava com a mãe. Estava com medo de apanhar. Ela se aproximou e disse:
— Vem cá.
Ele se aproximou, ela o abraçou e falou:
— Vá tomar banho, troque de roupa, que vou te levar ao mercado para escolher roupas pra festa.
Kit ton foi tomar banho pra sair com a mãe.
Besna estava jogando bola com um colega e acabou por ser atropelado. Caiu em cima de uma garrafa. Cortou a orelha de forma que um pedaço ficou pendurado. Vendo o sangue derramando e, ao mesmo tempo, sentindo dor, ele deu um grito bem alto. Chorava muito. Ninguém podia lhe acalmar.
Nramba viu sangue e o pedaço de orelha do filho. Não sabia como havia acontecido aquilo. Foi correndo em direção a Besna, de pés descalços e com uma toalha na mão para socorrê-lo. Deixou de lado o vinho de caju que na altura estava a vender e levou o menino para o Hospital Nacional Simão Mendes. Durou mais que uma hora lá.
Kit Ton saiu do banho, se vestiu rapidamente e disse:
— Mamãe! Mamãe! Já estou pronto. Podemos ir.
Uma vizinha lhe disse:
— A sua mãe foi para o hospital, porque seu irmão cortou a orelha.
Kit Ton começou a chorar, mas ninguém sabia se era por ter ficado comovido com a notícia do acidente do irmão ou por não poder mais ir ao mercado com sua mãe.
Fim!
Conheça mais o trabalho da fotógrafa Virginia Maria Yunes
Preparação de Originais e revisão de texto: Caroline Rodrigues Cardoso.