Natalia da Luz, Por dentro da África
(Artigo publicado no JB, em 2010)
Johanesburgo – A dança é uma das preciosidades culturais da África do Sul. Ela integra o sistema de vida africano, especialmente nas comunidades tradicionais que mantêm essa manifestação presente na caça, guerra, casamento, trabalho e em simples comemorações.
Neste universo de variações, a dança das “tribos” sul-africanas faz muito sucesso. O som e a dança das zonas rurais invadem as cidades de uma forma muito bem-vinda. Eles vão acompanhados de verdadeiros artistas em traje tradicional da etnia zulu (que representa cerca de 25% da população da África do Sul, de mais de 50 milhões de habitantes). Nas cidades e principalmente nos vilarejos, os dançarinos são uma atração imperdível com coreografias e gestos que fazem referência aos rituais da cultura zulu.
Nesta variedade de apresentações artísticas, existe a Indlamu, “a dança da guerra”, que também é praticada em casamentos por homens de qualquer idade, vestidos com peles de animais com destaque para a força muscular e habilidade com as armas.
Essa inspiração vem de Shaka Zulu (também chamado de Tshaka, Tchaka ou Chaka), o maior líder que a nação zulu já teve. O chefe tribal que viveu entre 1778 e 1828 recebeu o nome de “parasita” (shaka, no idoma zulu) porque a mãe, de outra etnia, havia engravidado de um zulu que a desprezara. Por isso e pelo fato de ela não ter sido tão amigável (segundo registros dessa data), a maioria dos moradores da comunidade dizia que ela tinha um shaka no ventre.
Após o nascimento de Shaka, os dois buscaram abrigo em outro reino. Ainda bem jovem, ele, o futuro líder dos zulus, já despontava como um grande guerreiro, vencendo batalhas para o seu povo. O retorno à tribo que o expulsara aconteceu em 1818, quando o pai, chefe tribal, morreu. Shaka removeu o irmão que estava prestes a assumir o comando e passou a liderar um clã de 1300 pessoas e 300 guerreiros.
Quem é fã de Shaka e vende estátuas de madeira (que ele mesmo faz) do guerreiro é Pedro Silva, um angolano muito simpático que o Por dentro da África encontrou no centro da Cidade do Cabo.
– Antes de Shaka, os zulus eram pequenos grupos espalhados e, depois dele, se tornaram um contingente muito mais expressivo. Ele chegou a reunir 40 mil soldados que combatiam dos 14 aos 60 anos.
Ele lembrou o quanto os famosos guerreiros eram duros até mesmo com parentes mais velhos: os idosos trabalhavam incansavelmente e comiam menos para morrerem depressa. Desta forma, os velhos não seriam um peso para o grupo de soldados.
– Foi assim que eles conseguiram avançar tanto e ser maioria ainda hoje. Em 2010 os zulus ainda gostam de fazer essa referência à bravura, a um povo guerreiro e vencedor. Já viu um protesto dos zulus? – perguntou Pedro, como se ele quisesse explicar a origem de tanto barulho quando algo não agrada os descendentes de Shaka.
O reinado de Shaka se expandiu e fortificou o seu povo, que se tornou famoso em todo o continente. Em 22 de janeiro de 1879, um exército zulu composto por 20 mil homens atacou tropas inglesas na região do Transvaal, na África Austral. Foi a maior derrota da Inglaterra na África.
Após um período tão vitorioso, o guerreiro disciplinado perdeu a admiração do seu próprio povo. A morte da Nandi, sua mãe, transformou o ídolo zulu em um assassino insano.
Shaka determinou a morte de todas as mulheres e de qualquer pessoa acusada de não demonstrar pesar pela morte da mãe. Com assassinatos dentro da própria tribo, um grupo zulu em desacordo com as atrocidades de Shaka se reuniu e matou o líder. Shaka foi golpeado com as mortais azagaias (varas com ferro na ponta). Esse foi o fim trágico do guerreiro responsável por criar a nação zulu.