Raízes do carnaval: A gema carioca é ‘afro-baiana’

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Cartola – Verde que te quero Rosa – Capa do disco

Marco Aurélio Luz, Por dentro da África 

O amigo Roberto Moura foi quem abriu caminho com seu livro sobre Tia Ciata para compreendermos a importância da história da imigração baiana no Rio de Janeiro nos fins do século XIX e início do século XX. O destaque é a cultura africana da Bahia se desdobrando no Rio de Janeiro.

Mãe Aninha, Iyalorixá Obá Biyí ,
Mãe Aninha, Iyalorixá Obá Biyí – Divulgação

Efemérides da religião nagô de então lá estiveram deixando sua marca na história para sempre. Dentre elas destacamos Mãe Aninha (Iyalorixá Oba Biyi), fundadora do Ilê Axé Opo Afonjá. Juntamente com Mãe Agripina (Iyalorixa Oba Deyi), fundou o Ilê Axé Opo Afonja do Rio de Janeiro.

Também podemos lembrar de Maria Ogala da Sociedade Gelede, Rodolpho Martins de Andrade, Bamboxe ObitiKo, e Joaquim Vieira, Oba Sanya, Arsênio dos Santos, Paizinho Alaba personalidade proeminente do culto aos Egungun.

Não vou me estender nessa presença que incluiria o afoxé Filhos de Gandhi e tanto mais. Vou me concentrar nas escolas de samba, a propósito do desfile vitorioso da Mangueira neste ano (2016).

Tia Ciata Hilária Batista de Almeida, nascida em Santo Amaro, conseguiu através da medicina da cultura africana curar a perna do presidente Wenceslau Bras de uma ferida que parecia incurável. Obteve então a liberdade de seu território. Oásis da repressão da época, sua casa tornou-se centro de encontro de religiosos e gente de toda arte das tradições afro-baiana.

Os ranchos desfilavam com seus estandartes, suas músicas sua agregação da gente baiana pelas regiões limítrofes da zona portuária. O rancho da gente de Tia Ciata era o Rosa Branca.

Hilário Jovino Ferreira, Lalu de Ouro, Ogã, da casa de João Alaba, transferiu a data de saída do seu rancho, o Rei de Ouro de 6 de janeiro, para os dias de carnaval. Em depoimento a Roberto Moura, Jovino comenta:

‘Nunca se tinha visto aquilo aqui no Rio de Janeiro: Porta-bandeira, porta-machado, batedores, etc. Perfeitamente organizado, saímos licenciado pela polícia‘…

João da Baiana, Clementina, Pixinguinha e Donga
João da Baiana, Clementina, Pixinguinha e Donga

A formação dos ranchos, além disso, tinha comissão de frente, mestre de harmonia, canto e coreografia. Célebres músicos e compositores se encontravam como Donga, João da Baiana, Sinhô, Pixinguinha e outros em meio ao samba de roda do Recôncavo. O primeiro samba registrado e gravado foi ‘Pelo Telefone de Donga’.

A culinária baiana alimentava o povo pelos dias desses encontros. Tia Ciata tinha tabuleiro da baiana no centro da cidade sempre muito concorrido e apreciado.

Origem das escolas

As escolas de samba derivam da efervescência da ‘Pequena África’ que ia da zona portuária a Cidade Nova sendo a Praça Onze a culminância das apresentações e desfiles de carnaval. As escolas de samba surgiram com a mudança da música. A percussão e o samba se distinguiram das marchas e os instrumentos de sopro dos ranchos. Ismael Silva foi fundador da Deixa Falar e Bide criador da bateria de percussão. Daí foi-se desdobrando, a Mangueira de Cartola, a Portela de Paulo da Portela e muito mais.

É importante dizer que tudo isso se apoiava na estética africana desdobrada e recriada congregando o povo num momento de afirmação cultural e existencial.

Pela década de 30 ficava mais aparente a presença dos ‘brancos no samba’. O jornalista Mário Filho, a partir do Jornal do Brasil, promoveu o concurso de Escolas de Samba, destacando assim a figura do carnavalesco. Um dos primeiros foi Toniquinho, funcionário do Teatro Municipal. Com os anos, as escolas passavam, cada vez mais, a depender dos carnavalescos.

tumblr_n1xm4pUN361r0x13uo1_1280A entrada da TV nos desfiles deu valor às dimensões visuais espetaculares em detrimento da estética original. Além disso, impondo essa estética adaptada para a linguagem do espetáculo, criavam-se especialistas para referendá-la nos concursos.

É neste caudal que se afirmam os carnavalescos mais próximos de escolas de samba de menos tradição. É tempo de Beija Flor, Unidos da Tijuca, Vila Isabel, dentre outras. Fantásticos carros alegóricos e personagens do mundo do espetáculo ganham espaço e poder nos desfiles.

Transformam a comissão de frente, originalmente formada pelos dignitários da escola. O samba no pé deu vez às coreografias de passo marcado das alas. E assim surgia o ‘maior espetáculo da terra’. Tempo e espaço são adaptados, altera-se o ritmo da bateria, toda essa linguagem transfere para o carnavalesco o poder de organização. As escolas de samba passaram a adquirir feição empresarial exigindo corpus administrativo. Uma luta ideológica se estabelece entre líderes da tradição e os que navegam pela indústria do espetáculo.

Reprodução – TV Globo

Em 2016, o novo se apresenta através dos ventos de Oya. A tradição da Mangueira se renova. Um desfile magnífico através da recriação dos valores e linguagem da estética africano brasileira. O jovem carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira, disse que ‘Queria fazer um enredo que dialogasse com a cultura brasileira e acho que a Bethânia representa muito bem esse diálogo’.

Neste ano, em 2023, duas escola cariocas do Grupo Especial homenagearam a Bahia. A Unidos da Tijuca defendeu o enredo “É onda que vai… É onda que vem… Serei a Baía de Todos os Santos a se mirar no samba da minha terra”, do carnavalesco Jack Vasconcelos. A Estação Primeira da Mangueira entrará na Sapucaí com o enredo “As Áfricas que a Bahia canta” a partir das questões sociais que estão presentes desde o processo de escravidão e que são transformadas em carnaval.

Artigo atualizado em 19 de Fevereiro de 2023.