A expurgada riqueza do Mali e do cinturão sudanês

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Mansa Musa, foi o décimo mansa, que se traduz como “rei dos reis” ou “imperador”, do Império Mali.

Por Ademir Barros dos Santos, Por dentro da África

Sorocaba – Gana, cujo nome significa “senhor da guerra”, e que foi o país do ouro, estendia-se do Senegal médio à curvatura do Níger. Embora de história desconhecida, a fundação do reino, crê-se, deu-se por fatos de guerra, como, de resto, aconteceu na história de quase todos os países hoje conhecidos; sua expansão tem início por volta de 700 d.C.

O rei, cujo título, Ghana, deu nome à região, vivia em sua capital, Kumbi-Saleh, composta por duas cidades: uma, muçulmana, contava com doze mesquitas, e era onde viviam os mercadores, letrados, juristas… enfim, a burocracia; a outra, de religiões tradicionais, abrigava o palácio, o túmulo dos príncipes, o bosque sagrado…

O reino tinha, como produto de maior comercialização, o ouro. Conta a lenda que “o ouro crescia como cenouras”, e “que o rei prendia seu cavalo a uma enorme pepita, na qual havia que mandar abrir, para isso, um buraco”!!!

É lenda; mas há, aí, certo fundo de verdade. Como forma de organização social, Gana, como tantos outros reinos africanos, baseava-se em pequenas formações sociais, que dispunham de autonomia jurídica local; o povo se ocupava da agricultura, pastoreio, fabricação de instrumentos de ferro, etc.

Com a fundação do reino, a organização social foi estatizada: passou-se, já no século IX, a controlar, organizar, disciplinar a circulação mercantil. O comércio foi aberto às caravanas árabes, berberes e sudanesas que, em troca do ouro, ofereciam tecidos, sal e outros produtos diversos; impostos sobre o comércio foram instituídos e o reino enriqueceu-se.

Por volta de 1077, berberes almorávidas conquistam Gana, tornando-o reino tributário e transformando suas províncias em pequenos Estados dirigidos por pequenos reis, antigos governadores, o que acelerou sua desagregação. A expansão muçulmana da época levou muitos reis ganeses à conversão, talvez movidos, principalmente, por estratégias político-econômicas, na busca de integrar-se ao extenso espaço mercantil dominado pelos árabes.

 Mali

Catalan Atlas of the known world (mapamundi), drawn by Abraham Cresques of Mallorca

O império do Mali tem início com os mandingas, no séc. XIII de nossa era; conta-se que, inicialmente, eles eram anti-islã, voltados às religiões tradicionais.

Talvez por isso e buscando a expansão da crença muçulmana, os filhos de Sosso, imperador de Gana, atacaram o então pequeno reino do Mali, que era comandado pelo clã dos Keita: toda a família real foi massacrada, com exceção do pequeno Sundiata que, a partir de então, passa a viver verdadeira epopeia.

Recuperando-se milagrosamente dos ferimentos recebidos, Sundiata busca vingança, o que consegue em 1235. Na batalha de Kerina, derrota Sumanguru Kante e recupera o trono de seus pais; na sequência, pilha Kumbi-Saleh – capital de Gana – dando início a vasto império que, estendendo-se para além do território antes ocupado pelos conquistados, comandou por vinte anos.

Como resultado da epopeia, Sundiata passou a ser conhecido como Leão do Mali, tornando-se imperador com o título Mansa, e passando a reinar a partir de Niani, sua capital. Sundiata morreu por volta de 1255, durante uma festa, não se sabe se afogado ou ferido por algum acidente com flecha. Todos os sucessores de seu trono são seus descendentes.

Durante dois séculos, o Mali foi o mais rico Estado da África Ocidental; possuía minas de ouro, além de manter o controle das rotas transaarianas que seguiam em direção à África Branca, especialmente Líbia e Egito. Por base econômica, tinha os mesmos bens que enriqueceram Gana.

Das relações entre o Mali e o comércio árabe, nasceram as grandes cidades mercantis de Djenée e Tumbuktu, que se tornaram os principais postos comerciais do Sudão Ocidental, e desenvolveram bens culturais tais como as Grandes Mesquitas daquelas cidades.

O Mali adquiriu tal riqueza e fausto que um de seus reis, Mansa Musa, ao fazer, em 1324-1325, o hajj – peregrinação a Meca, obrigatória a todo muçulmano saudável – levou consigo tantos bens que, ao visitar o Sultão do Cairo, distribuiu tamanha quantidade de ouro que desvalorizou a moeda local!

A decadência do Mali começou na primeira metade do século XV, e se deve a conflitos dinásticos, combinados com a emergência de reinos rivais, especialmente o Império Songai, que o destroi, em 1546.

Império Songai

O último grande império do Sudão Ocidental é o Songai, que se desenvolveu a partir do pequeno reino de Kukia, e foi fundado por camponeses, caçadores e pescadores. Gao, sua capital, ficava na encruzilhada das caravanas comerciais que atravessavam o Saara. Kukia foi conquistado em 1325, por Mansa Musa; porém, um dos filhos do rei, que servia no exército do Mali, fugiu; posteriormente, veio a libertar pequena parcela dos territórios songai, tornando-se soberano; adquiriu o título de Sonni, fundando nova dinastia.

Com a decadência do império mandinga do Mali, os Sonni começaram a crescer empoderio, de tal forma que, na segunda metade do século XV, Sonni Ali, que reinou entre 1464 e 1492, submeteu todo o vale do Níger, com suas grandes cidades de Tumbuktu, Mopti e Djenée. Derrotando o império do Mali, realizou grandes saques na cidade de Niani, e passou a administrar o reino através de governadores.

Sonni Ali construiu canais de irrigação, e formou grande exército. Embora apoiado fortemente pelos muçulmanos, jamais deixou de cuidar, também, das crenças tradicionais, fator de coesão dos povos songai.

Em 1492, ano da descoberta das Américas e às vésperas de sua morte, foi ele substituído por um de seus filhos, também do partido anti-islã; porém, um dos generais de Ali, Mohamad Turé, derrubou o legítimo herdeiro, fundando a dinastia Áskia, aliada ao partido muçulmano.

Touré, após peregrinação a Meca – onde recebeu o título de Califa do Sudão – criou extensa e elaborada burocracia: padronizou pesos, medidas e moedas; muçulmano fervoroso, admitiu cádis e ulemás2 na administração, buscando islamizar a sociedade songhai.

O império, com a aliança ao Islã, alcançou o máximo apogeu; além de encampar todo o território antes coberto pelo Mali, expandiu-se do Atlântico ao maciço de Air, subindo até o Entretanto, apesar dos esforços para islamizar a administração e a sociedade – o que, de fato, aconteceu nos centros urbanos – as áreas rurais mantiveram-se fiéis à espiritualidade africana: produziu-se assim, no Songai, uma religiosidade que, ao lado do islamismo, convive com as crenças originais, de forma a refletir-se, até mesmo, na arquitetura local.

É sob o governo de Mohamad Áskia que Tumbuctu se torna comercialmente próspera, abrigando algo em torno de 100.000 pessoas, e obtém a fama de importante centro intelectual, dentre os principais do mundo muçulmano.

Ali, a Universidade de Sankore passa a receber, também, europeus, que vinham visitar sua extensa biblioteca, onde havia manuscritos, e contemplava ciências que iam da matemática à astronomia, da física ao Direito.

Porém, Mohamad morre, aos 86 anos, e seu sucessor e filho, não alcança o mesmo sucesso; a própria extensão do Império dificulta a administração, possibilitando o desenvolvimento de revoltas locais, na busca da independência. A Hauçalândia liberta-se, e é logo seguida pelos marroquinos que, após conseguir o controle das minas de ouro e adquirir armas das nações ibéricas, derrubam, em 1591, Ishaq II, o último dos Áskia; então, destroem a Universidade de Sankore, e o Império Songai vê-se reduzido à região próxima ao Rio Níger, de onde nunca mais lhe foi possível expandir-se.

Referências bibliográficas: 

Nascimento, Elisa Larkin. O legado africano.  In:Sousa Júnior, Vilson Caetano de (org.). Nossas raízes africanas. São Paulo: s.n., 2004.

Costa, Ricardo. A expansão árabe na África e os impérios negros de Gana, Mali e Songai (sécs. VII-XVI) – Segunda Parte.Disponível em: <http://www.ricardocosta.com./pub/imperiosnegros2.htm>. Acesso em: 5 fev. 2006.