A busca por alternativas que amenizem as fragilidades das favelas sul-africanas

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Township Khayelistha - Foto: Natalia da Luz
Township Khayelistha – Foto: Natalia da Luz

Natalia da Luz, Por dentro da África

Cidade do Cabo, África do Sul – Eletricidade, saneamento básico, moradia e alimentação são itens básicos que garantem a dignidade, mas dos quais, infelizmente, muitos habitantes ao redor do mundo não desfrutam. Segundo as Nações Unidas,  a população mundial em favelas ou sem condições básicas gira em torno de um bilhão de pessoas.

Dentro do chamado Terceiro Mundo, que busca emergir para melhores condições de vida, deparamo-nos com realidades degradadas, mas que podem e devem ser superadas. Na África do Sul, uma série de alternativas ganha força na tentativa de melhorar a vida da população que convive com a escassez.

Township Khayelistha - Foto: Natalia da Luz
Township Khayelistha – Foto: Natalia da Luz

– Durante três anos, a organização pesquisou várias alternativas para um upgrade dos “barracos”, e conseguimos melhorar muito o ambiente, a segurança e higiene – conta em entrevista exclusiva ao Por dentro da África a sul-africana Andy Bolnick, diretora da iKhayalami, que produz habitações baratas, alimentadas por energia solar e resistentes ao fogo.

Andy trabalha em comunidades chamadas townships, áreas precárias para aonde os negros e indianos ou “coloridos” – todos separados – eram levados na época do apartheid, e onde grande parte ainda permanece.

Durante os anos do apartheid (regime de segregação racial que dividiu oficialmente a África do Sul entre 1948 e 1994. Apenas em 1994, o país realizou a primeira eleição democrática), os moradores das townships conviveram bem próximos da criminalidade e precariedade. Eram áreas sem infraestrutura, com escasso monitoramento policial e regidas, praticamente, por leis próprias.

Banheiros químicos 

Township Khayelistha - Foto: Natalia da Luz Mais de 19 anos após a primeira eleição democrática, muitas townships ainda relembram a época do apartheid. Em Khayelitsha e em outras comunidades, o governo colocou centenas de banheiros químicos como uma alternativa para amenizar o problema do saneamento básico.

Khayelitsha é uma dessas townships que abriga mais de um milhão de pessoas. Em grande parte, não há eletricidade e saneamento ao redor das casas erguidas com zinco, restos de madeira, alumínio e papelão…

O processo foi concluído sem perguntar à população onde colocá-los, o que provocou uma série de problemas como o fato de eles submergirem quando chove. De qualquer forma, cada cabine (usada por cinco famílias, ou seja, um número que pode variar de 30 a 40 pessoas), é uma importante medida de minimizar o grande desafio do saneamento.

Township Khayelistha - Foto: Natalia da Luz
Township Khayelistha – Foto: Natalia da Luz

Por aqui, os banheiros chegaram em 2007 e apesar do crescimento do programa, ainda é pouco diante da necessidade dos milhares de moradores. Lawrence Gootboor, gerente de Água e Saneamento da Cidade do Cabo, conta que seria preciso colocar, pelo menos, 4 ou 5 mil banheiros em assentamentos informais.

– Temos muito o que fazer, mas imagine o nosso desafio: Ter que oferecer serviços como os banheiros químicos, não ter nenhum dinheiro de volta dos contribuintes e ainda nos depararmos com os muitos casos de vandalismo que colocam abaixo aquilo que construímos. Para acomodar todas essas pessoas que vivem em assentamentos informais precisaríamos de 3 ou 4 áreas como essa de Khayelitsha – afirmou Lawrence.

Casas construídas pelo governo da Cidade do Cabo - Foto: prefeitura de Cape Town Há também áreas “privilegiadas” dentro das townships, com casas de alvenaria doadas pelo governo, por meio de projetos sociais que normalmente não incluem a participação a sério da população beneficiária.

Apoio da população

– Tivemos dificuldades para convencer as comunidades a pensar em “revitalizar” seus barracos com um layout melhor, mas eles não estavam interessados, já que o governo fornece um subsídio para habitação, motivo pelo qual as pessoas dizem: “Por que devemos atualizar nossos barracos se o governo nos dará uma casa grátis?” Eu costumava responder que é melhor viver em um abrigo decente e em um ambiente melhor do que esperar indefinidamente por cada tijolo do governo…

Township Khayelistha - Foto: Natalia da Luz Andy conta que o  projeto de Joe Slovo, na township de Langa, criado após um incêndio catastrófico em 2009, permitiu demonstrar a alguns líderes o  valor desta ideia para mobilizar e melhorar a vida das pessoas pobres. Esse projeto é chamado de “Blocking out” – um processo de elaboração e implementação que é dirigido pela comunidade e envolve a reconfiguração de um layout que permite a criação de caminhos ou estradas demarcadas, espaços públicos e semi-públicos.

Desta forma, os moradores assimilam que não há como deixar toda a responsabilidade para o governo. Eles podem e devem descruzar os braços!

Township Khayelistha - Foto: Governo da África do Sul
Township Khayelistha – Foto: Governo da África do Sul

As casas construídas pela organização são mais resistentes ao fogo, à chuva e abastecidas com energia do sol. Um barraco de 9 metros quadrados, por exemplo, custa cerca de 5.000 rands (R$ 2.200) com janela e porta, sem plataforma de cimento.

Segundo Andy, uma casa dessas pode ficar pronta em um dia. Diferentemente da construção convencional, as novas habitações respeitam uma organização que limita a distância de dois metros entre uma e outra construção.

Parceira entre comunidade e governo 

Para Mzwanele Zulu, líder de Joe Slovo, que nos acompanhou durante a visita à comunidade, a possibilidade de se falar em parceria com a prefeitura já é um avanço e tanto. Ele lembra que essa aproximação pode acelerar o processo que, no geral, se prolonga por anos.

Township Khayelistha - Foto: Natalia da Luz – Esperamos anos e anos por melhorias, por atitudes. Se a gente também não tentar criar e pressionar, as soluções não chegam – disse o líder em entrevista ao Por dentro da África. Mzwanele esteve à frente com o programa ikhayalami na reestruturação de Joe Slovo, dando vida nova à área destruída.

– Aos poucos, as pessoas estão se conscientizando, mas ainda estamos muito vulneráveis aos incêndios e a outros problemas, como os diretamente ligados à saúde”, destaca, lembrando que a comunidade é a primeira a ser beneficiada com as soluções e que, por isso, é tão importante a participação.

Township Khayelistha - Foto: Natalia da Luz
Township Khayelistha – Foto: Governo da África do Sul

Andy lembra que mais de 800 barracos foram destruídos em Khayelitsha (em janeiro deste ano) e que através do Fundo de Desastres conseguiu trabalhar com a comunidade e convenceu a prefeitura a reassentar 450 famílias.

– Além disso, nós levantamos fundos para a construção de 90 casas mais resistentes com laje e fundação. Apesar desta grande realização, temos tido alguns problemas com a obtenção dos outros 21 projetos devido a requisitos de engenharia.

Projeto-piloto

De acordo com Andy, a Federação dos Pobres Urbanos começou a campanha para estabelecer uma rede entre estruturas de liderança de muitos assentamentos informais em torno da Cidade do Cabo. Em 2009, eles visitaram Joe Slovo, o que abriu caminho para a colaboração e parceria com a prefeitura.

Township Khayelistha - Foto: Natalia da Luz
Township Khayelistha – Foto: Natalia da Luz

– A parceria com a prefeitura se concentrou apenas na prestação de serviços de intermediação dentro dos 21 assentamentos que eu e alguns líderes havíamos escolhido. Paralelo ao trabalho com a prefeitura e com a Rede de Assentamentos Informais, a Ikhayalami levantou fundos para implementar um projeto de “blocking out” (explicado acima) – contou a diretora, completando que os profissionais tiveram que convencer a comunidade a fazer uma contribuição de 10% para a sua revitalização em um único dia!

Uma dessas regiões, a Rua Sheffield (na township de Philip), se tornou um dos pilares do projeto com a criação de pátios, onde as mulheres podiam lavar suas roupas e as crianças podiam brincar em segurança.

– Desde outubro de 2010, quando os primeiros barracos foram desmontados e reconstruídos com um layout melhor, convidamos nossos parceiros da cidade para ver o progresso. Percebi que era muito importante fazer uma outra configuração fora da Cidade do Cabo, algo para os pobres e que não pudesse ser diretamente manipulado por partidos políticos – conta Andy, explicando como funciona o Joanesburgo Ruimsig (bairro da cidade).

Ambiente colaborativo 

Township Khayelistha – Foto: Governo da África do Sul

No início do projeto de Ruimsig, em junho de 2011, a iKhayalami teve a colaboração da Universidade de Joanesburgo para estabelecer a criação de um estúdio de design participativo entre moradores da comunidade, professores e alunos, a fim de mapear o assentamento da comunidade.

O objetivo do estúdio era criar um ambiente altamente colaborativo, para produzir desenhos precisos do assentamento informal, bem como desenvolver uma sinergia em torno do planejamento de projeto que poderia atrair o apoio de outros parceiros, como o Estado.

ATownship Khayelistha - Foto: Natalia da Luz té hoje, a iKhayalami já construiu mais de 1000 casas na África do Sul. Especificamente em Ruimsig, a organização foi responsável pelo reassentamento de  84 famílias, incluindo 13 que foram afetadas por um incêndio. Como moradores e funcionários continuam a trabalhar para a atualização completa de Ruimsig, esta parceria tem como objetivo  elaborar um planejamento comunitário que atenda primeiro às necessidades imediatas de famílias pobres na África do Sul, e em segundo lugar, à habitação contemporânea.

– Até 2011, a Rede de Assentamentos Informais  tinha incorporado o programa como uma de suas estratégias para a melhoria dos assentamentos informais. Um momento decisivo foi em fevereiro de 2012, quando um conselheiro ligado às estruturas governamentais solicitou uma reunião.  Em agosto, houve o reassentamenro de 250 barracos em  Mtsihni Wam, o que levou o projeto a um cenário absolutamente novo – comemora Andy.

Alem da criação de empregos (há 45 membros da comunidade que agora fazem parte da equipe), outro avanço foi o saneamento básico abrangendo mais lares, com um banheiro para 5 família.

– Embora a prefeitura tenha decidido levar as coisas em suas próprias mãos, ela identificou o projeto como uma prioridade para a cidade e instruiu seus engenheiros para superar desafios. Portanto, parece que estamos no caminho certo para começar com os demais projetos em breve!

Este conteúdo pertence ao Por dentro da África. Para reprodução, entre em contato com a redação

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