Na Nigéria, religiosos fazem campanha para combater o preconceito contra Exu

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Exu – Gravura de Carybé

Natalia da Luz, Por dentro da África

Johanesburgo – Ele simboliza a comunicação, a ordem, a disciplina. Ele é o guardião das aldeias, cidades, casas e do comportamento humano. Apesar de tantas habilidades, de tantas funções, ele é um dos orixás das religiões de matrizes africanas que mais sofrem preconceito. Em Lagos, na Nigéria, uma campanha chamada ‘Ésú is not Satan’ (Exu não é satã) tem como objetivo educar e combater a intolerância contra Exu.

– Esta é uma causa pela qual realmente devemos lutar incansavelmente, se realmente quisermos fazer deste mundo um lugar melhor através da espiritualidade. Precisamos nos educar mentalmente sobre as más interpretações deliberadas e difamações de tantos componentes de nossa espiritualidade – disse, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, o babalawo Popoola Olorunimbe Adeoye.

Protesto no dia 24 de dezembro em Lagos – Divulgação

Popoola vive em um país dividido majoritariamente entre muçulmanos e cristãos. Os iorubás e praticantes da religião tradicional, que na Nigéria é chamada de Culto a Ifá, representam um pequeno percentual no país, cerca de 5% de uma população de aproximadamente 170 milhões de pessoas. Em outubro, Popoola começou uma campanha em Lagos com o objetivo de educar a população sobre a simbologia de Exu. Com camisas, faixas e intervenções em protestos de rua e escolas, ele e um grupo de religiosos propagam informações sobre muitos aspectos da espiritualidade.

Ilustração de Olódùmarè

Na tradicional religião iorubá, o Ser Supremo é Olódùmarè, considerado criador dos orixás e do homem. Exu, por sua vez, é visto como o elo entre o homem e o céu, uma divindade forte, que não permite que os problemas cheguem até os homens. Desta forma, segundo os preceitos do Culto a Ifá, Exu tem a função de garantir que nenhum homem seja injustamente atacado pelo mal. Ele é um dos assistentes de Orunmilá, a testemunha da criação.

– Exu não é satanás, não há correlação de qualquer forma entre satanás e nosso querido e precioso Exu. Nós realmente precisamos analisar de forma abrangente a confusão do equívoco de satanás. Este é um problema lançado desde 1843 – lembra o nigeriano.

Muitos orixás ganharam novas interpretações e simbologia no Brasil. Tanto na Nigéria quanto no Brasil, tanto na África quanto nas Américas, os que cultuam Exu experimentam essa rejeição.

Ivanir dos Santos

-O desconhecimento e a má interpretação sobre a divindade Exu são os grandes motivos da proliferação do preconceito religioso contra os praticantes de religião de matriz africana no Brasil e os praticantes da religião tradicional na Nigéria. Obviamente, o processo de colonização europeia na África aliada à também contribuiu significativamente para esta reinterpretação – disse, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, o babalawo Ivanir dos Santos.

Ivanir conta que a má interpretação de Exu começa historicamente em 1843 com a primeira tradução da bíblia em inglês para o iorubá. Esta tradução foi atribuída à Samuel Ajayi Crowter, nigeriano criado dentro de uma das colônias britânicas. Samuel procurou aproximar as divindades cristãs e as divindades iorubás para que assim houvesse um entendimento comunitário no processo de evangelização das colônias britânicas.

Saiba mais: A intolerância contra as religiões de matrizes africanas 

Ajayi Crowther Main
Samuel Ajayi Crowter – Reprodução

– Exu acabou sendo aproximado à imagem do “mal”, do “pecado”, da trapaça”, luxúria e também da sexualidade. Não acredito que Ajayi tenha feito isto propositalmente, pois ele estava embebecido pela cultura da assimilação cristã. Exu é a divindade mais plena na nossa tradição. Sem ele não há caminho, não há destino! É ele quem faz a ligação direta com o ser supremo – ressalta o babalawo brasileiro.

Sincretismo das religiões tradicionais no Brasil

Ilustração – Carybé

Durante os séculos XVI e XIX, o Brasil recebeu cerca de 5 milhões de africanos escravizados que trouxeram suas crenças de diferentes partes da África, principalmente da região conhecida como Reino do Congo (Angola, Gabão, Congo e República Democrática do Congo) e Benin. O sincretismo começou nos próprios navios e se prolongou em terras brasileiras. Com o cristianismo, construímos um panteão de ressignificações religiosas.
-Em um dado momento, esse sincretismo significava a sobrevivência dos cultos, ou então os mesmos estariam fadados à clandestinidade. Tanto no Brasil quanto na Nigéria, Exu tem duas interpretações. A interpretações do “povo de santo”, no Brasil, se aproxima da interpretação dos adeptos da religião tradicional na Nigéria – destacou Ivanir.

Exu – Reprodução

O processo de sincretismo no Brasil não apagou a cultura trazida pelos africanos. O candomblé indica a sobrevivência da cultura que nos remete à ancestralidade africana tal como a religiosidade, oralidade e memória.

-Satanás era originalmente um anjo perfeito e, de acordo com a Bíblia, foi o anjo mais bonito, mas não permaneceu firme na verdade. Então eu pergunto: se Satanás era, na verdade, o anjo mais bonito, como é que ele se tornou essa figura tão terrível retratada pelos cristãos na maioria dos filmes que fala sobre o mal? – perguntou Popoola.

Contra a intolerância e ignorância, Popoola se lança em uma campanha repleta de ativismo pelas ruas de Lagos uma manifestação e seminários mensais abertos à comunidade.

-Precisamos respeitar não como um cristão ou muçulmano, mas como africano. A melhor forma de combater o preconceito é através de publicações, artigos e protestos, é a partir da criação da consciência do nosso povo aqui na Nigéria e na diáspora.

Assista ao especial produzido pela ONU Brasil sobre a intolerância contras as religiões de matrizes africanas