Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – Em 2010, um diálogo entre Brasil e África sobre segurança alimentar foi o ponto de partida para reforçar as possibilidades de cooperação entre o continente africano e o lado brasileiro. O intercâmbio de experiências no campo das políticas públicas, agricultura familiar e combate à fome foi estabelecido como um compromisso, que hoje colhe frutos em cinco países africanos a partir dos programas inspirados no Brasil.
O programa PAA Africa (Purchase from Africans for Africa) é uma iniciativa do governo brasileiro em parceria com o PMA (Programa Mundial de Alimentos), a FAO (Organização da ONU para Alimentação e Agricultura) e o DFID (Departamento para Desenvolvimento Internacional do Reino Unido) para promover a segurança alimentar e o fortalecimento da agricultura familiar.
– Para responder a esse compromisso político liderado pelo ex-presidente Lula e que envolveu 45 países, a decisão de por onde iniciar levou em conta uma avaliação técnica conjunta das organizações responsáveis pelo programa, considerando, por exemplo, a existência de escritórios na África. A partir desta avaliação técnica, os países foram novamente consultados sobre o seu interesse em implementar a cooperação – conta em entrevista ao Por dentro da África, Israel Klug, coordenador do PAA África pela FAO.
Como resultado do encontro de 2010, foi traçado um programa para compartilhar a experiência do PAA Brasil com a África em cinco países: Etiópia, Níger, Malaui, Moçambique e Senegal. Klug destaca que a primeira fase, iniciada em fevereiro de 2012, contou com financiamento de US$4.6 milhões, dos quais cerca de 3,7 milhões foram doados pelo governo brasileiro, por meio da Coordenação-Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome do Ministério das Relações Exteriores e o restante pelo Departamento Britânico de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (DFID).
– Para a segunda fase (que começa agora e dura 18 meses), a CGFOME já se comprometeu a doar mais US$4 milhões, e o DFID aumentou sua contribuição, agora de US$2 milhões. Para expandir os projetos dentro dos países e apoiar a continuação do projeto para os cinco anos, outras parcerias estão em desenvolvimento – complementa confiante.
Em fevereiro, os projetos-pilotos foram iniciados com a distribuição de insumos e treinamento para os agricultores. Klug lembra que, até agora, o PAA África já beneficiou 4287 agricultores e mais de 124 mil alunos em 434 escolas, que receberam alimentos adquiridos localmente com os recursos do projeto.
– Outros resultados têm relação com um entendimento crescente da importância da temática das compras locais, o fortalecimento do diálogo entre o Brasil e África, e também entre as agências que implementam o projeto. Para a segunda fase (que se inicia agora), os desejos são: garantir a sustentabilidade por meio do engajamento e apropriação dos governos, consolidar modalidades de compras que sejam atrativas aos pequenos produtores e pensar no uso responsável dos insumos e do impacto ambiental da produção.
Na entrevista abaixo, Israel Klug explica detalhadamente como funciona essa cooperação repleta de expectativas e que já apresenta resultados para a África.
Por dentro da África – Como a experiência brasileira pode contribuir para superar as fragilidades africanas? O que especificamente poderíamos aplicar na África que já é usado por aqui?
Israel Klug – A experiência brasileira só faz sentido para África em um contexto de trocas, que considere também a experiência e a diversidade dos países africanos, para a cooperação. Essas trocas possibilitam superar desafios das diversas partes envolvidas, inclusive a brasileira.
O Brasil desenvolveu uma série de tecnologias sociais que deram certo no contexto nacional para diminuição da pobreza e promoção da segurança alimentar e nutricional e que podem ser relevantes na África, como a política de compras locais da agricultura familiar e transferência de renda.
Mas é importante sublinhar que a proposta da cooperação não deve ser de “aplicar” um modelo brasileiro num contexto distinto, e sim de compartilhar uma ideia e uma prática que deu certo aqui, adaptando-a de acordo com as realidades e as prioridades dos atores envolvidos.
PDA – Toda a infraestrutura e análises técnicas são de responsabilidade do PAA? O programa inclui todas as seguintes etapas: Fornecimento de sementes, aragem do solo, irrigação, colheita…?
IK – Um dos eixos do PAA África, em parceria com a FAO e os Ministérios da Agricultura, é assegurar o apoio ao produtor, seja por meio de treinamentos e assistência técnica, da distribuição de insumos (sementes e adubo) ou da compra de equipamentos. Os países parceiros possuem capacidades já instaladas, seja nos governos, nas organizações internacionais, nas associações ou em todos eles. O programa reforça a capacidade destes atores e procura, a partir dos resultados dos pilotos, gerar modelos adaptados que possam embasar discussões de políticas públicas.
PDA – Como lidar com as especificidades de cada país e enfrentar os maiores desafios de cada um deles?
IK – Tanto o projeto-piloto quanto a análise das experiências existentes e das potenciais foram elaborados no âmbito de cadapaís, e cada um deles optou por um modelo de compra, distribuição e de construção de capacidades compatível e adaptado com as suas prioridades e necessidades.
No Malaui e na Etiópia, por exemplo, ao invés do PMA adquirir ele mesmo os alimentos com o recurso brasileiro, ele repassou os fundos para atores nacionais, no caso as escolas e a Secretaria de Educação respectivamente, para que eles realizassem as compras para a alimentação escolar. Uma opção que estimula a apropriação do programa pelos atores nacionais e que fortalece as suas capacidades administrativas.
Embora o milho e o feijão sejam os principais produtos adquiridos, alguns países já investem na diversificação dentro do PAA África. Na primeira fase, o Malaui conseguiu distribuir uma cesta diversificada de produtos, e para a segunda fase, Moçambique pretende realizar a aquisição de hortaliças para complementar a dieta dos alunos.
Apesar das especificidades de cada país, eles partilham diversas características como a preponderância da agricultura na economia, insegurança alimentar mais acentuada, vulnerabilidade de parte de seus agricultores… Em todos os países, já havia alguma iniciativa de alimentação escolar, seja nacional, seja em parceria com o PMA. Dentre os cinco países, só no Senegal não havia nenhuma iniciativa de compras locais de alimentos quando o PAA África começou.
PDA – Muitas vezes, aspectos sociais influenciam no estabelecimento dos programas. A instabilidade política no Mali, por exemplo, interferiu em alguma atividade do programa no Níger?
IK – A conjuntura sociopolítica interfere na forma como o projeto é assimilado em cada país, mas de forma geral não houve interferências diretas na implementação do programa, e os governos nacionais têm se mostrado bastante comprometidos em garantir a implementação das atividades.
Em relação à instabilidade no Mali, até agora não tivemos nenhum problema do tipo do lado do Níger.
PDA – Existe previsão de ampliar o trabalho para outros países?
IK – Essa discussão foi feita conforme a primeira fase avançava e outros países demonstravam interesse. A orientação que foi tomada como resultado desses debates foi a de que a prioridade do programa é aprofundar e consolidar uma estratégia de compras locais nos cinco países originais. Não se descarta a possibilidade de ampliar o programa para outros países, mas esta decisão dependeria da existência de fundos suplementares e de um acordo entre os atores envolvidos.
PDA – Como a população local contribui com o programa? Ela é beneficiada com empregos, por exemplo?
IK – O programa prevê a contratação de consultores nacionais nos países que trabalham nos escritórios da FAO e do PMA, realizando os mais diferentes tipos de trabalho: assistência técnica, apoio à coordenação. Outras atividades são desempenhadas com organizações locais ou mesmo funcionários governamentais que utilizam a força de trabalho local.
PDA – Há diferentes responsáveis pelo programa. Como é a interação entre a FAO, PMA, Governo brasileiro e o DFID?
IK – A parceria que sustenta o PAA África é fundamental para o bom funcionamento do programa. O governo brasileiro, além de ser o principal financiador do programa, oferece suporte político essencial para avançar o diálogo nos países e também entre as demais organizações parceiras. A FAO e o PMA estão fundamentalmente implicadas na implementação, e cada uma traz um pouco de sua expertise para a mesa, apoiando os agricultores e realizando as compras.
O DFID tem sido um grande parceiro do governo brasileiro na temática da segurança alimentar – o governo britânico está comprometido com a sistematização e análise do conhecimento que o PAA África tem produzido.
PDA – Como o programa atende diretamente o agricultor/comerciante?
IK – Partindo dos princípios do PAA brasileiro, para que o agricultor tenha condições de acessar mercados, mesmo os institucionais, e atender aos padrões de qualidade, é preciso que ele receba apoio em todas as fases do processo de produção, da distribuição de sementes ao pós-colheita.
Em todos os países, já havia algum tipo de capacidade para apoiar os agricultores, então quando o PAA África iniciou suas atividades. Essa lógica se intensificou baseada nas capacidades existentes. Os agricultores beneficiados recebem apoio da FAO e dos Ministérios da Agricultura, seja em sementes ou outros insumos, técnicas de colheita e pós-colheita, e em alguns casos o PMA oferece capacitação na área de comercialização e, no caso das associações de agricultores, também em cooperativismo e administração.
PDA – Como esse programa dedicado à agricultura pode influenciar e aprimorar as situações da saúde e educação das áreas atendidas?
IK – A ideia do PAA África, a exemplo da experiência brasileira, é de que o fortalecimento de mercados institucionais para a assistência alimentar cria um ciclo virtuoso de desenvolvimento, onde as comunidades são favorecidas duplamente: pelo aumento de renda resultante da participação no mercado e pelo oferecimento de mais alimentos nos projetos de assistência – e isso certamente tem um impacto positivo na capacidade de acesso e na disponibilidade de alimentos saudáveis para essas comunidades. No caso do PAA África, em que a comida comprada é toda distribuída para a alimentação escolar, esse vínculo fica ainda mais claro.
Hoje, diversos estudos defendem o papel da alimentação escolar como parte da rede de proteção social, ou seja, para muitas famílias, seus filhos só terão garantida na escola uma refeição nutritiva ao dia – isso, além de alimentar, tem um potencial para elevar as matrículas e a permanência destes alunos ao longo do ano.
Acompanhe o programa pelo site
Por dentro da África