Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – Ela desejava trabalhar em projetos sociais na África pelo desafio que a realidade do continente representava para a sua área de atuação. Após um convite para um projeto na área de saúde pública, a psicóloga Andrea Silveira experimentou a realidade da Guiné-Conacri (ou Conakry). Muitas dessas experiências ela relata em seu livro Wontanara, disponível para download em português e francês.
– Eu já havia visitado Angola e Egito, além de ter contato com pessoas que trabalharam em Gana e Guiné-Bissau e Senegal e me sentia muito atraída por essa diversidade cultural. Eu aprendi que, às vezes, acreditamos deter o conhecimento sobre o mundo e queremos impor nossa forma de lidar com a realidade, sem nos darmos conta de que ainda estamos reproduzindo práticas que criam dependência ao invés de fortalecer o potencial de resiliência das pessoas e comunidades – contou a brasileira em entrevista ao Por dentro da África.
A República da Guiné ou Guiné-Conacri é um país da África Ocidental que faz fronteira com a Guiné-Bissau, Senegal, Mali, Costa do Marfim, Libéria e Serra Leoa. Com cerca de 10 milhões de habitantes, o país possui uma economia diretamente beneficiada pela grande quantidade de minerais presentes em seu território, possuindo um terço das reservas de bauxita já descobertas no planeta.
Confira o nosso papo com a autora Andrea e, no final da página, baixe o livro gratuitamente para o seu computador.
PDA – Como você poderia descrever a Guiné, quais as maiores diferenças e semelhanças com o Brasil?
AS – A Guiné é bem tropical, com vegetação muito parecida com a do Brasil. O clima e as estações lembram muito a região amazônica: quente e úmido, com períodos de seca e outros de muita chuva! Muitas das cidades guineenses lembram as cidades do norte e nordeste do Brasil, pela falta de infraestrutura e dificuldade de acesso. O povo é festivo, musical e consegue superar as limitações materiais e econômicas com muita criatividade e cor.
Assim como o brasileiro, eles estabelecem laços de amizade facilmente. São pessoas muito sociáveis, mesmo considerando as disputas entre suas diferentes etnias. Enquanto no Brasil a maioria é católica, na Guiné, a população predominantemente é de muçulmanos. A religiosidade é levada a sério e as práticas respeitadas.
PDA – O livro é um relato sobre a sua experiência como psicóloga e como pessoa?
AS – O livro foi uma maneira de compartilhar com outras pessoas a emoção de ter vivido em Conacri e de ter conhecido um universo rico em diversidade. Por um lado, procuro retratar a alegria e a força africana, numa tentativa de corroborar a perspectiva otimista sobre o continente, que acredito ser muito mais do que a miséria amplamente difundida pela mídia.
Do outro lado, os relatos também trazem questionamentos sobre o modelo de intervenção humanitária, adotado pela maioria das ONGs e organismos internacionais, além das minhas inquietudes existencialistas, diante da fragilidade humana e do antagonismo social que vivemos nesse planeta.
A palavra Wontanara significa “estamos juntos” e o ponto de interrogação no título do livro decorre justamente do dilema entre até que ponto podemos e devemos intervir e de que maneira.
No livro Wontanara: estamos juntos? critico nossa intervenção e, também por isso, escrevi um segundo livro, o caderno técnico: Socialmente Engajados: refletindo sobre intervenção psicossocial. Nele, proponho caminhos alternativos para a realização de projetos com base em princípios e conceitos da perspectiva sociocultural e da pedagogia freiriana. Considero, portanto, as duas obras complementares.
PDA – Quanto tempo você ficou no país e como foi o processo de desenvolvimento do livro?
AS – Fui designada, pela ONG, para uma missão de 9 meses (a partir de novembro de 2011), mas como propus a nacionalização do meu cargo (“responsável psicossocial”), prolongamos o contrato para 11 meses, ganhando um pouco mais de tempo para formar um profissional que já era do staff nacional para assumir essa função.
Minha integração com os guineenses gerou várias amizades, que cultivo até hoje. Voltei para o Brasil em novembro de 2012 e consegui reunir recursos para trazer duas pessoas da equipe para conhecer algumas cidades brasileiras, em março de 2013. No segundo semestre desse ano, planejo ir a Conacri e também já estamos nos organizando para trazer mais dois amigos guineenses em 2015!
Os livros foram escritos em 2013, em português. Mas o Wontanara foi traduzido para o francês recentemente, a fim de permitir que os guineenses também tenham acesso pelo menos ao livro com os relatos da minha vivência lá. Pretendo traduzir o livro técnico futuramente.
PDA – Você cita o HIV em um dos capítulos. Você tem acompanhado o avanço na luta contra o vírus na África ?
Eles permanecem aquecidos em suas reivindicações por políticas públicas mais eficazes e, embora lentamente, vêm conseguindo obter maior apoio e recursos para garantir o tratamento às pessoas já infectadas, além do engajamento da mídia, por exemplo, em suas campanhas de prevenção. Porém, tenho que admitir que os avanços são pequenos em relação à necessidade apresentada pela realidade local.
PDA – Qual o maior aprendizado dessa experiência e quais foram as maiores surpresas?
AS – Fiquei surpresa com a similaridade entre nossos países. Principalmente por ter trabalhado alguns anos na Amazônia brasileira, sempre me sentia em casa. A forma de lidar com a realidade e as dificuldades que enfrentávamos no trabalho e no projeto, me lembravam muito as comunidades e instituições onde trabalhei aqui no Brasil.
Nunca tive a pretensão de acreditar que um povo pode ser melhor do que o outro, mas é sempre um desafio constatar que a forma de organização humana é proporcionalmente diferente e semelhante. Por isso, meu maior aprendizado é que não precisamos ir muito longe para descobrimos que, no fim do dia, somos todos humanos!
Confesso que acumulei algumas decepções, pois esperava encontrar no cenário das ONGs e organismos internacionais um avanço maior na tecnologia de desenvolvimento social.
Dessa forma, voltei ainda mais questionadora e adepta da máxima de que estamos todos conectados nessa teia humana e precisamos ampliar nosso nível de consciência sobre o mundo que vivemos e o engajamento para transformarmos a pessoa que nós somos, em primeiro lugar.
Por dentro da África