Natalia da Luz, Por dentro da África
Na África do Sul, um grupo paramilitar formado por mulheres combate caçadores que ameaçam de extinção animais como rinocerontes e elefantes. As Black Mambas, equipe recrutada nas comunidades próximas à Reserva Balule (Hoedspruit) monitora uma área de 50 mil hectares. Além disso, o trabalho dessas mulheres desperta consciência, envolvendo escolas e a comunidade inteira em um compromisso de preservação.
“Nos últimos séculos, as mesmas armas foram usadas para combater a caça furtiva, mas elas só resolviam temporariamente o problema. Essas mulheres fazem parte de um projeto de longo prazo que vem se tornando realmente eficaz para fazer frente às investidas dos caçadores”, disse ao Por dentro da África, o conservacionista Craig Spencer, idealizador do projeto.
Craig acredita que o maior impacto desta iniciativa está na combinação de ações nas escolas e comunidades, o que nutre o sentimento patriótico em relação à área protegida e o orgulho da comunidade pelas Black Mambas. Com atuação em 11 escolas da região, elas envolvem quase 1000 crianças em atividades de conservação e higiene com os alimentos.
“Eu tenho orgulho de ser uma mamba. Muitas pessoas não sabem que uma mulher pode fazer esse trabalho. Vamos mostrar a elas que podemos fazer. Quando nossos filhos crescerem, eles conhecerão os Big Five e respeitarão essa natureza”, disse Winle Nyati.
Mirren Mathebula é parte do grupo que toma como missão de vida proteger os animais da savana. Ela é tsonga (grupo etnolinguístico que prevalece nesta região da África do Sul e no sul de Moçambique). Aos 30 anos, a mamba desde 2014, conta que a sua rotina diária é acordar bem cedo, monitorar alguns aminais e checar se não há caçadores por perto.
“Quando percebemos algo incomum, relatamos isso imediatamente pelo rádio. Essa parte de prevenção traz muitos benefícios para a comunidade. Antes, achavam que isso era trabalho para homens, mas agora acreditam e confiam em nós”, contou Mirren ao Por dentro da África.
Craig, que também é diretor da ONG Transfrontier Africa, nasceu em Botsuana e cresceu em reservas naturais da África do Sul vendo de perto a importância de combater a caça, que leva tantas espécies à extinção. Atualmente, os animais mais ameaçados não apenas na África do Sul, mas nos vizinhos Zimbábue, Zâmbia e Namíbia são rinocerontes (por conta dos chifres) e elefantes (por conta do marfim).
Negócio lucrativo e assassino
O mercado de marfim ganhou novas proporções quando, a partir de 1993, o governo chinês passou a ignorar uma regra internacional que bania, desde 1989, o mercado internacional de marfim.Depois da China, os Estados Unidos são o segundo grande mercado consumidor de um negócio selvagem. Negócio este que continua em alta devido ao consumo de luxo, que ignora as consequências para a natureza e suas espécies.
Nos últimos anos, o maior comprador de chifres de rinocerontes foi o mercado asiático, onde um chifre pode ser facilmente vendido por 300 mil dólares (o quilo custa cerca de 60 mil dólares. Cada chifre tem mais de cinco quilos). Os chifres são usados na medicina tradicional chinesa, e sua exploração é sustentada por uma crença de serem afrodisíacos.
Os caçadores se organizam em cartéis, com estrutura que envolve carros, armas, tranquilizantes, helicópteros. Tudo isso para servir a uma indústria que ignora a vida. Os chifres de rinocerontes são arrancados brutalmente e os animais deixados em meio à savana em um ritual macabro e impune.
Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente da África do Sul, em 2017, 502 supostos caçadores de rinoceronte e 16 supostos traficantes foram presos. Apenas no Kruger Park (maior parque natural do continente africano), o número de prisões de caçadores foi de 446. Em 2017, pelo menos, 1.028 rinocerontes foram caçados, contra 1.054 no ano anterior.
Para tentar frear esse massacre, o ativista ambiental formado em ecologia e antropologia pela Universidade da Cidade do Cabo (na África do Sul) criou, em 2013, essa patrulha inspiradora, que hoje conta com 36 mulheres (32 no monitoramento, 2 nas escolas e 2 nas salas de operação). O nome do grupo faz referência à cobra venenosa e extremamente agressiva ao ser ameaçada. “Essas mulheres agem assim (igual a uma black mamba) quando veem os animais ameaçados”, justifica Craig.
O treinamento das mambas é dividido em várias etapas. A parte teórica tem aulas sobre protocolo de rádio, identificação animal, observação, pesquisa, apreensões e procedimentos de detenção. No segundo momento, há um treino paramilitar para explorar habilidades físicas. Já em ação, nas patrulhas, elas monitoram os animais, buscam os rastros dos caçadores e fornecem informações sobre suspeitos para as comunidades próximas.
“As mambas vão salvar a natureza, a comunidade e os nossos filhos. Quero proteger a animais para a próxima geração”, contou Dedeya Nkwinika.
Diariamente, as mulheres rodam a pé e em caminhonetes, pelo menos 10 horas por dia. As patrulhas mais importantes são as noturnas, o que faz com que os caçadores furtivos tenham poucas horas para agir.
“Os incidentes com os caçadores oscilam bastante, mas, em nossa área, já conseguimos reduzir em 80% desde o início do projeto, especificamente com os rinocerontes. De qualquer forma, é difícil determinar quantos desses animais foram salvos – porque não podemos cobrir todo o parque”, detalhou Craig, completando que, em apoio ao grupo de mulheres, há sempre equipes armadas prontas para as incursões e detenções.
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Reconhecido pela sua capacidade de envolver toda a comunidade e zelar pelos animais, o projeto recebeu cinco prêmios internacionais. O último deles foi em Nova York, no ano passado. As mambas recebem um salário por esse trabalho incansável, mas é preciso fazer ainda mais. Por isso, doações de organizações, governos e pessoas são tão importantes. Saiba como ajudar aqui