Bicicleta entra no combate à Covid-19 no continente africano

0
452
Foto de WBR/Divulgação

Alexandre Costa Nascimento, Por Dentro da África

Lisboa – A bicicleta é apontada como uma ferramenta fundamental para auxiliar os profissionais de saúde que fazem a linha de frente no combate à pandemia de Covid-19 no continente africano. O veículo, que alia simplicidade e eficiência, tem o potencial de garantir mobilidade adequada às características do terreno e ajudar a levar informação e atendimento à população mais vulnerável nas regiões rurais do continente.

O tema foi objeto de uma conferência online promovida nesta quinta-feira (9) pela organização não-governamental World Bicycle Relief (WBR) e que contou com a participação de um consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS). A WBR busca mobilizar doações a fim de garantir a entrega de 2,5 mil bicicletas para uso de agentes de saúde no combate à pandemia no continente. O Por dentro da África participou como ouvinte do debate.

Reprodução/WBR

Dados disponíveis até o dia 9 de abril apontam para mais de 12,2 mil casos de Covid-19 registrados em 55 países e territórios no continente, com 611 mortes registradas. A África do Sul é o país com o maior número de casos no continente, com 1.845 pacientes infectados e 18 mortes registradas. Argélia (235), Egito (103), Marrocos (97) e Tunísia (25) – países do Norte africano — concentram 75% dos 612 casos fatais até o momento. Dados atualizados sobre a Covid-19 na África, com base nos dados da OMS, podem ser consultados neste link.

Saiba mais: O poder transformador das bicicletas em África

Ao avaliar a situação na Zâmbia, o coordenador do WBR no país, Brian Moonga aponta para o risco de que a escalada da pandemia leve ao colapso um sistema de saúde já frágil e bastante limitado. “Neste momento economias desenvolvidas como do Reino Unido e Estados Unidos estão lutando para ter respiradores suficientes. Não teremos como cobrir as pequenas comunidades neste país”, diz.

As estatísticas populacionais da Zâmbia mostram um país com grande parte da população vivendo em zonas rurais e grandes favelas nas áreas urbanas, o que torna maior o desafio de garantir isolamento da população e formas de controlar a contaminação.

Foto de WBR/Divulgação

“Os países desenvolvidos há a estimativa de que uma pessoa infectada transmita o vírus para mais duas. Aqui temos favelas e uma pessoa infectada pode transmitir a doença para até outras 10 pessoas ou mais. A projeção [da contaminação] é muito maior do que é estimado em países desenvolvidos”, aponta o consultor da Organização Mundial de Saúde (OMS) e professor da Universidade da Zâmbia Peter Hangoma. Até o momento, o país contabiliza 39 casos confirmados de Covid-19 e uma morte. “A Covid-19 ainda não se tornou uma pandemia na Zâmbia. Mas temos de estar preparados para o pior”, salienta.

Saiba mais: Travessia de bicicleta revela contrastes na fronteira entre Europa e África

Hangoma acredita que a bicicleta ajuda a alcançar a população e levar informação e tratamento, em uma situação em que os sistemas de transporte estão paralisados por conta da pandemia. “A situação impede que se forma aglomerações para transmitir informações, então os profissionais de saúde têm de ir família por família, de porta em porta, passar orientações sobre os cuidados necessários. Não vejo que haja qualquer outro meio de mobilidade mais eficiente para isso do que as bicicletas”.

O especialista aponta que a mobilidade é um fator fundamental de acesso ao sistema de saúde. Ele cita o sucesso de programas do Unicef e da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) que usam bicicletas adaptadas que servem de ambulâncias para o transporte de doentes. “Quando se fala em intervenções em países pobres, as coisas têm de ser simples e efetivas e não podem ser complicadas. E bicicletas-ambulâncias podem salvar muitas vidas”, afirma.

O painel, mediado pela diretora de Informação Estratégica e Inovação da WBR Alisha Myers debateu ainda aspectos gerais da mobilidade por bicicletas no continente africano, em especial nos grandes centros urbanos. Moonga lembrou que, atualmente, o sistema de transporte público é um problema em termos de contaminação. “Mas a bicicleta pode ser uma boa alternativa de mobilidade, embora seu uso não seja seguro em centros urbanos, como Lusaka”. Na capital da Zâmbia falta infraestrutura para ciclistas e pedestres. Na avaliação dos especialistas, a crise atual pode colocar a bicicleta como um componente chave nos projetos de mobilidade das grandes cidades africanas.