Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – Aos 18 anos, ele deixou a Nigéria rumo ao Japão para realizar um sonho. No caminho, descobriu e concretizou outros tantos. Depois de um voo de 23 horas, Uffy Ufot Ekong pegou um trem-bala enquanto ouvia uma língua que não fazia sentido para ele. Em um ano, o idioma estranho já era fluente, o que lhe abriu caminho para conseguir uma bolsa de estudos na Universidade de Tokai, em Tokyo. Não foi apenas isso. O estudante, hoje com 24 anos, conseguiu solucionar uma equação que estava sem resultado há 30 anos e alcançou a maior nota dos últimos 50 anos da sua universidade.
– Para mim, pessoalmente, a equação nem foi assim um grande negócio! Eu estou mais feliz porque estudei japonês e, principalmente, engenharia em japonês, competindo com estudantes japoneses em sua língua materna! – disse em entrevista exclusiva ao Por dentro da África.
A vitória que fez com que o nome do jovem nigeriano, fluente em seis línguas, rodasse o mundo foi alcançada com a solução de uma equação matemática de problema eletrônico. Por isso, esse prêmio é mais do que matemática, é mais do que engenharia.
Em todo o mundo, estudantes africanos estão trabalhando duro e realizando grandes feitos, mas, infelizmente, o espaço na mídia para África ainda é depreciado com relação às notícias sobre inovação no continente. A propósito, Por dentro da África entrevistou alguns desses empreendedores africanos: o criador da primeira impressora 3D da África, estudantes que criaram um sabonete contra a malária, diretores de Nollywood, o criador da “Bárbie Negra” que se tornou sucesso na Europa e Estados Unidos, entre tantos outros. Pergunto a Ekong se a propagação de notícias positivas poderia ajudar a superar os estereótipos em relação à África.
– Pessoas mudam a mentalidade na medida em que buscam mais esclarecimento. A verdade é que as pessoas não entendem que a mídia é um negócio também! A mídia só mostra o que as pessoas esperam ver ou querer assistir – disse o mestrando em Engenharia de sistemas Elétricos e Eletrônicos, que também é co-fundador do Strictly Africano, uma loja de varejo on-line que vende bens africanos inspirados no continente.
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Logo assim que fundou a “Strictly Japão Africano”, ele recebeu mais de 500 mensagens de nigerianos em todo o mundo, o que serviu de estímulo para ele realizar o seu próximo sonho: receber um PhD até 2019! O nigeriano destaca que existem muitos estudantes africanos de todo o mundo se destacando, mas pouco são expostos na mídia, o que é lamentável.
Desafios antes da realização dos sonhos
Nascido em uma família de sete filhos, Ekong era ajudado apenas pela mãe, que ao ficar viúva decidiu investir todo o dinheiro na educação dos filhos,enviando quatro deles para estudar no exterior. Para poder se manter, ele procurou emprego, participando de 56 entrevistas antes de ser contratado. Deprimido, decidiu que ia aprender mais e estudar com empenho a língua do país. Após muitas tentativas, conseguiu uma vaga em uma companhia de navegação no Japão e outra em uma rede de fast food.
– Trabalhei 365 dias, até mesmo no dia de Natal. Em 2009, quando eu ganhei o concurso de oratória em língua japonesa, fui informado de que, se eu completasse a escola de línguas com os melhores resultados, eu teria uma bolsa de estudos! Eu estava motivado. Então, tive que estudar mais para permanecer no topo da classe. Mais uma vez, eu não podia me dar ao luxo de falhar – disse o nigeriano, destacando que a escassez de dinheiro era um dos seus grandes desafios no novo país.
O jovem engenheiro estuda cerca de oito horas ou mais por dia, além de dedicar parte do dia ao trabalho e aos seus projetos pessoais. Com uma agenda sempre em mãos, ele lista os afazeres concluídos e os que ainda precisa completar ao longo do dia. No tempo livre, ele gosta de tocar instrumentos musicais (saxofone, piano e muitos mais), beber e dançar.
Vida no Japão
Para o jovem, o Japão é um país muito organizado e de grande vivência em tecnologia. Ele acredita que a África como um continente chegará a esse patamar no futuro.
– Há algo que o dinheiro não pode comprar, mesmo que tenhamos petróleo, gás e tudo isso. As instituições e as pessoas certas fazendo as coisas certas e nos levando na direção certa é mais importante! Estou certo de que, na próxima década, a África será diferente – afirma.
Pergunto ao nigeriano quantas pessoas o inspiram, e ele responde com um “Muuuitas”! Tantos, que seria injusto mencionar uns e não outros, já que também há pessoas não tão populares, mas que fazem a diferença em suas comunidades.
Durante a sua temporada no Japão, ele vivenciou o racismo, a discriminação, mas se manteve focado. Em julho de 2010, completou o curso de língua japonesa como o melhor aluno, obteve bolsa de estudos e, em setembro, iniciou a graduação em engenharia elétrica. Pergunto a Ekong como as pessoas o veem no Japão e como todos os prêmios que ele venceu na universidade puderam ajudá-lo a lutar contra qualquer preconceito. Ele dá de ombros e diz que não fica muito preocupado com isso porque é perturbador.
– Algumas pessoas falam bem de você, outras, mal de você… Com os prêmios, eu percebi que quando você é o melhor ou está no topo de tudo o que se faz, as pessoas só têm que aceitar e respeitar você! Eu estava sempre cansado demais para me preocupar com essas discussões. No meu segundo ano, eu resolvi uma equação matemática que não tinha sido solucionada por muitos anos. Foi lindo, e minhas outras pesquisas foram fazer progresso.