Agricultura, criação de animais, nutrição, geração de renda, alimentação escolar. Esses foram alguns dos temas da visita de estudos de uma delegação de 18 representantes do governo do Quênia e do escritório queniano do Programa Mundial de Alimentos (PMA), que esteve no Brasil no início de maio para conhecer programas brasileiros de desenvolvimento social.
Susan Mochache, secretária-executiva do Ministério do Trabalho, Segurança Social e Serviços do país, explicou a motivação da viagem: “temos boas políticas e programas no Quênia, mas ainda enfrentamos desafios na integração dessas políticas e na gestão da nossa base de dados de programas sociais”. “O Brasil é um modelo para o mundo nessa área”, disse.
Para entender como o Brasil conseguiu avançar na integração de suas políticas e programas sociais nas áreas de nutrição, combate à fome, renda mínima, alimentação escolar e fomento à agricultura familiar, a delegação participou de seminário internacional organizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e fez viagem de campo à Paraíba.
Na Paraíba, a delegação foi recepcionada pela vice-governadora do estado, Ligia Feliciano, que destacou o impacto de políticas sociais: “é emocionante chegar a uma comunidade e ver a transformação na vida das pessoas”.
“Os países em desenvolvimento enfrentam desafios similares e podemos trabalhar juntos para encontrar soluções”, afirmou o diretor do Centro de Excelência contra a Fome, do PMA, Daniel Balaban. “O Quênia tem ainda maior responsabilidade, por sua relevância no continente africano”, completou.
Visita a quilombos
A delegação do governo queniano e representantes do PMA do país visitaram um quilombo de 28 famílias no município de Areia, na Paraíba, que produz mandioca, batata-doce, pimentão, hortaliças, frutas como banana, abacaxi, laranja, limão e tangerina, vendidos no mercado da região e para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
As famílias vivem em uma área de 120 hectares no Quilombo Senhor do Bonfim. Em 2011, elas encerraram um longo processo de reconhecimento como remanescentes quilombolas e receberam a posse da terra.
A visita ao quilombo foi um momento de forte emoção para a delegação queniana. Dona Severina, a matriarca da comunidade, contou que antes do reconhecimento, sua família trabalhava naquela terra em condições análogas à escravidão.
Fátima, uma das filhas mais velhas de Severina, disse, por sua vez, que começou a trabalhar no cultivo de cana-de-açúcar aos oito anos de idade. “Hoje não temos uma terra, temos um território, para cultivar até mesmo alimentos que não conhecíamos antes do reconhecimento do quilombo, como verduras. Antes éramos prisioneiros, derramávamos nosso suor pelos outros, hoje derramamos nosso suor por nós mesmos”.
Fortalecimento da agricultura familiar
A agricultura familiar é um ponto central da estratégia brasileira de combate à fome e à pobreza. O fortalecimento da atividade gera renda para as famílias rurais— que estão entre os grupos mais vulneráveis à insegurança alimentar — e facilita o acesso à alimentação saudável e valoriza a cultura e os hábitos alimentares de cada região.
Para entender como as ações de fortalecimento da agricultura familiar estão integradas a programas e políticas de desenvolvimento social no Brasil, a delegação de representantes do governo do Quênia visitou uma cooperativa de criação de aves e uma de criação de peixes.
A Cooperativa Paraibana de Avicultura e Agricultura Familiar (COPAF), localizada no município de São Sebastião de Lagoa de Roça, congrega 160 agricultores familiares de 15 municípios. A criação de animais de pequeno porte é mais adequada à região e, por isso, os agricultores optaram por investir na produção de frangos e ovos.
A cooperativa tem contrato com o Programa de Aquisição de Alimentos para fornecer o equivalente a 992 mil reais em frangos, que serão distribuídos para entidades de assistência social. Com o PNAE, a cooperativa tem contrato para fornecer o equivalente a 1,6 milhão de reais em frangos.
Fundada por Nazaré dos Santos Barbosa, a cooperativa é produtora de ovos. Nazaré e seu marido, Ednaldo Barbosa, produzem 1 mil ovos por dia, gerem a cooperativa e fornecem assistência técnica aos cooperados, junto com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural.
“Nosso maior desafio aqui foi convencer os agricultores a trabalhar sem agrotóxicos numa época em que os agrotóxicos estavam muito fortes no Brasil. Mas somos duros, o agricultor que usar agrotóxico, está fora”, contou Ednaldo.
Segundo Mochache, os avanços do Brasil servirão de inspiração para ajudar o Quênia a buscar mais coerência entre seus programas de proteção social. “O Brasil levou 10 anos para chegar aonde chegou em termos de integração de programas sociais. Isso nos serve de incentivo. Esta visita de estudo deixou claro em nossas mentes o que precisamos fazer. A próxima fronteira é elevar o debate sobre proteção social dentro governo queniano”, declarou.