Carta enviada ao Por dentro da Africa
É com imenso desprazer que nós, alunas e alunos da UNILAB do campus Malês, sentimos a necessidade de responder com repúdio à declaração do senhor Marco Antonio Villa, veiculada pela Rádio Jovem Pan no dia 19 de outubro de 2016, sobre a nossa universidade, cursos e grade curricular.
Gostaríamos de destacar o desconhecimento do comentarista sobre a história do nosso país, bem como, a história dos países parceiros da UNILAB em África e fora dela, como é o caso do Timor Leste.
O mesmo mostrou desconhecer as relações culturais existentes entre os nossos países chegando a citar o Festival das Culturas, realizado entre 19 e 22 de julho, como exemplo da ausência de relação cultural que ele acredita existir.
A UNILAB – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira foi criada pela Lei 12.289, de 20 de Julho de 2010 com o propósito de formar recursos humanos para contribuir com a integração entre o Brasil e os demais membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em especial os do continente africano: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
Nossa universidade faz parte do escopo das 18 universidades criadas pelos governos de Luíz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff – como parte do plano de reestruturação e expansão das universidades federais, valorizando a interculturalidade, cidadania e democracia nas sociedades.
A UNILAB possui quatro unidades em dois estados, Ceará e Bahia. Estados esses que têm extrema importância para a história do Brasil. Parece que o senhor Marco Antonio Villa, formado pela USP, faltou aulas de História (seu curso de formação) ou, assim como grande parte dos conservadores deste país, acredita somente na história feita pelos dominadores.
Conheça a UNILAB, saiba mais sobre a nossa universidade
No Ceará, um dos nossos campus está localizado em Redenção, primeira cidade do Brasil a se comprometer com a libertação dos escravos, em 01 de Janeiro de 1883. O campus Malês, na Bahia, faz referência ao importante movimento negro ocorrido em 25 de janeiro de 1835, conhecido como Revolta dos Malês.
Saiba mais sobre a Revolta dos Malês: a ‘jihad’ na Bahia
Outra importante contribuição desta universidade se dá na efetivação das leis 10.639/03 e 11.645/08,
Em seu site, a direção da universidade publicou resposta ao comentarista lembrando que, “em seus 16 cursos de graduação e 7 de pós-graduação, recebe milhares de jovens e adultos do interior do Ceará e da Bahia que, distantes da capital, estão podendo fazer um curso superior, muitos deles os primeiros de suas famílias a ingressarem na universidade.
A missão institucional da Unilab contempla também uma das principais buscas de muitas universidades brasileiras e de outros países, no atual contexto de globalização: a internacionalização da educação superior.” Leia a carta completa aqui
Ainda em sua ácida crítica a nossa universidade, o comentarista questiona o motivo de estudarmos a história da capoeira. Essa manifestação cultural que nasceu no Brasil foi ‘gestada’ nos navios negreiros com os africanos escravizados que aqui desembarcaram. Há dois anos, a Unesco reconheceu a roda de capoeira como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
Veja especial sobre a capoeira em encontro internacional realizado no Rio de Janeiro.
O Brasil é um país que mostra suas intensas heranças coloniais e ainda sofre com o legado deixado pelos mais de três séculos de dominação portuguesa que dizimou indígenas e africanos obrigados a trabalhar nesta terra que hoje muitos têm orgulho de chamar de Brasil.
A perpetuação do racismo e do machismo em nossa sociedade vêm deste processo, ainda tão atual, cujas bases se fundamentam em paradigmas hegemônicos que têm como ‘homem universal’, o heterossexual, branco e cristão, merecedor de plenos direitos sociais, políticos e econômicos; diferente dos que não se enquadram neste padrão.
A antropologia do século 19 citada por Villa como modelo cientifico, reflete esse pensamento. Ela é a base do racismo cientifico e racismo moderno que permanecem em nossa sociedade, não de maneira simbólica e muito menos na construção intelectual, mas, no cotidiano de grande dos pobres brasileiros, que são assassinados e oprimidos.
Ao tentar deslegitimar a grade curricular com as disciplinas que compõem os cursos de Bacharelado em Antropologia e Pedagogia, Villa mostra seu descomprometimento com as populações subalternizadas do Brasil, bem como seu distanciamento com novas epistemologias que visam olhar (com outros olhos) a realidade social, seja brasileira e/ou mundial. Neste contexto, a UNILAB é hoje uma das universidade mais preparadas para tratar das relações étnico-raciais e afro-diaspóricas.
‘NOSSO CORPO DOCENTE É FORMADO POR QUASE 90 % DE PROFESSORES nEGROS, ALGO INCOMUM NAS UNIVERSIDADES TRADICIONAIS
DO BRASIL.
Pessoas como o comentarista estão acostumadas a ver negros e negras servindo seu café ou varrendo sua casa. Mas nós, alunas e alunos da UNILAB, estamos aqui para dizer a cada um dos que tentam nos deslegitimar que nós resistimos assim como nossos ancestrais. Não queremos mais que outros contem a nossa história e nos coloquem como coadjuvantes.
Gostaríamos de destacar que o discurso altamente tóxico deste senhor mexeu com vidas e com pessoas que destinam muitos anos de formação em busca de outras formas de educação para este país.
Não vamos admitir que, por falta de conhecimento e por uma visão elitista dos processos educacionais, crie-se uma dúvida a respeito da legitimidade e compromisso de todos que estão envolvidos no processo de criação da nossa universidade.
Nós, que todos os dias estamos aqui, que vivemos esta universidade, não reconhecemos como válido o que foi dito por Marco Antonio Villa. Deixamos registrado todo o nosso repúdio por seu discurso que representa estruturas de poder estabelecidas, pela qual todos nós trabalhamos para reverter.
A UNILAB SOMOS NÓS, E ASSIM SENDO, ESTAMOS BATALHANDO PARA QUE ELA SEJA A NOSSA CARA E NÃO A FACE DOS DETENTORES DO PODER QUE NOS QUEREM SEMPRE NA SENZALA. NÓS, UNILAB, SOMOS O QUILOMBO VIVO!
Por Bruna Maia, Caroline L. dos Santos, Débora Menezes, Ludmilla M. Gomes, Fabiana Windjaba Gelard e Paula Reis, estudantes da UNILAB de São Francisco do Conde.