Por Leonardo Lazaro Faislon, Por dentro da África
Em um certo 4 de dezembro, uma grande festa em louvor a Ela acontecia, a comunidade estava cheia, entre visitantes e autoridades, todas vieram para reverencia-la.
Agraciada de beleza aguda, Ela bailava na sincronia dos atabaques, das palmas e dos cânticos.
Ao lado dos atabaques, encontrava-se um menino franzino, que nem pelos no rosto tinham ainda, apesar de muito tímido, em todas as festas na comunidade ele ficava ali, com olhos e ouvidos atentos nos atabaques, que o fascinava.
No calor da festa, como de praxe para iniciar nova cantiga, os atabaques param, os cânticos e as palmas cessam, e, quando surge uma voz pretendendo seguir com os cânticos a dar continuidade à festa… Ela, emposta a mão sinalizando, “PARE!”. Neste momento um ar de tensão e o silêncio arrebatam a comunidade.
Eis que Ela se posiciona em frente a o menino, lhe confere um abraço tirando-o do chão como quem suspende um cacho de dendê, abraçando-o fortemente profere seu Yilà, e de forma tocante quebra o silêncio, embora todos permanecessem em silêncio.
Ela devolve o garoto ao chão, passa as mãos no suor de seu rosto e depois passa as mãos no rosto do menino, pega as suas pequenas mãos, traz apetando-as junto ao seu peito, Ela solta as mãos do menino, dá alguns passos para trás e inicia, para ele, alguns passos de dança, fazendo gestos com as mãos parecendo portar uma espécie de espada. Um olhar de desconfiança se generalizava na comunidade.
O menino pensou haver entendido a mensagem, apesar de tímido se encorajou e com a voz tremula, em louvor à Ela cantou… èloyà kòtà mejé, awá ní xarè dandan…
Ela parou, pôs as mãos para trás e sinalizou com a cabeça fazendo um sinal de negação. Neste momento a expressão generalizada na comunidade era a de espanto e interrogação, nem as autoridades compreendiam o que Ela pedia.
O garoto então buscava entender o que Ela lhe solicitava. Sua pouca idade não lhe permitia um vasto conhecimento sobre outras cantigas referente ao tipo de dança por ela desejada
Suas mãos transpiravam, ele engoliu seco, e então se deu conta que carregava em seu pescoço um colar feito de miçangas, de cor azul marinho.
Ele tocou o colar, olhou para Ela… Ela mais uma vez quebrou o silêncio com seu Yilà imponente e penetrante. O menino entendeu isso como um sim, então encorajado cantou… Ógún Óniré oré gedè, àkoró Óniré oré gedéé…
Em coro, alto e bom som, toda a comunidade prontamente respondeu… alà’ré Ógún Óniré oré gedé… Os atabaques iniciaram um adahum, os cânticos seguiram. Ela retirou parte de um Àkoró que enfeitava os atabaques, adormeceu sobre a cabeça do menino, posteriormente o dividiu em duas partes, uma, interpassou entre seu torço de forma que as folhas ficaram caídas cobrindo seu rosto, a outra, tomou-a para si como facão e feito uma jovem impetuosa, Ela dançou…
Estonteantemente Ela dançou…
Parecendo flutuar e controlar o vento Ela dançou…
Como que se Ela e o vento fossem uma única cosa em si, Ela dançou, dançou, e dançou…
“Uma forma de satisfação provocada pela memória, se manifesta quando vivemos experiências que nos possibilitam rememorar experiências valorosas.”
Em, Quilombo Dom João, 04 de Dezembro de 2015