Madagascar: a imersão que transforma viajantes e fortalece comunidades

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Natalia da Luz, Por dentro da África

Em vez de resorts luxuosos e pacotes fechados, um mergulho profundo na vida cotidiana de Madagascar — um encontro entre culturas, histórias e realidades, guiado pela responsabilidade social. Essa é a proposta dos itinerários que colocam o viajante no coração das comunidades do país africano.

Para isso, o roteiro aposta em guias locais independentes, hospedagens familiares e restaurantes tradicionais para deixar o grupo em maior contato possível com as comunidades.

“Jamais ficamos em cadeias internacionais. É sempre comer o local, provar as iguarias tradicionais e impulsionar negócios pequenos. Muitas vezes dormimos em casa de famílias que nos recebem como se fôssemos parte delas”, explica Sara Bernardo, que está à frente dessa experiência na agência de viagens Volatus.

Os dóceis e alegres lêmures – Volatus

Mestre em Estudos de Desenvolvimento (ISCTE-IUL) e doutora em Estudos Africanos (ISCTE-IUL), Sara idealizou a empresa de turismo após algumas viagens como pesquisadora. Ela acredita que o ato de partilhar o cotidiano transforma — tanto quem chega quanto quem recebe os visitantes.

“Procuramos sempre fugir dos lugares de turismo massificado para tornar as viagens mais sustentáveis. Queremos trazer propostas mais próximas da vida real das comunidades locais e da sua cultura”, diz a guia que além de Madagascar, coleciona destinos como Nepal, Indonésia, Peru, Bolívia e Tibete em sua agência baseada em Portugal. Todos esses destinos seguem a mesma proposta de imersão cultural em trajetos desenhados por Sara e por Tiago Torrinha, seu sócio.

Em Madagascar, nesse lugar tão único do continente africano, mas também cheio de referências da Indonésia e Malásia, as viagens duram 22 dias com grupos de 12 pessoas. Um dos momentos mais marcantes acontece na aldeia de Sakaívo acessível apenas a pé, após uma caminhada de até 20 quilômetros. Lá, o grupo se hospeda na casa da Mamã Lisa, onde o conceito de “família” inclui sogros, tios, primos e vizinhos.

Vista aérea de Anakoa – Volatus

“Quando ficamos nas casas das famílias, pagamos por esse serviço, então é um impulso para a economia familiar. Há uma troca muito bonita nesses momentos. Partilhamos refeições, o espaço e o dia a dia, contribuindo diretamente para a economia local”.

Outro exemplo do impacto na economia local é a parceria com a cooperativa de produção de seda em Manandona, que além de gerar trabalho e renda, mantém uma escola para as crianças da comunidade. Dessa forma, o turismo não apenas movimenta a economia, mas também fortalece projetos comunitários e investe no futuro local.

Festa da etnia Sakalava – Volatus

Madagascar além do imaginário

Com mais de 31 milhões de habitantes (Banco Mundial, 2024) de 18 etnias (como merina, sakalava, betsileo, zafimaniry, tanala, antemoro e vezo), Madagascar, localizada no Sudoeste da África, é a quinta maior ilha do mundo. Apesar da biodiversidade única e da riqueza cultural, o país enfrenta desafios estruturais profundos: 75% da população vive abaixo da linha da pobreza nacional, com renda diária inferior a 1 dólar. Apenas 39% têm acesso à eletricidade e 12% ao saneamento básico.

A economia, estimada em US$ 18,7 bilhões de PIB em 2025, cresce a um ritmo médio de 4,2% ao ano. O turismo, junto com serviços, telecomunicações e mineração, é um dos motores desse crescimento.

“Madagascar sempre esteve no meu imaginário. Sempre tive a vontade de compreender melhor o país e aprender com ele. O meu percurso em Estudos Africanos e as pesquisas realizadas no continente ajudaram-me a construir este roteiro em parceria com as comunidades. Muitos dos nossos parceiros não têm acesso a empregos formais, por isso procuramos garantir que este trabalho lhes ofereça uma fonte de rendimento justa e digna”, lembra Sara.

O itinerário dessa grande experiência conduz o viajante por diferentes paisagens e modos de vida: os pulsantes mercados da capital Antananarivo, travessia de barco e noites de acampamento nas margens do rio Tsiribihina, visitas às aldeias de pescadores de Manakara, passeio por Morondava (cidade banhada pelo Canal de Moçambique), as paradisíacas praias de Anakao, a icônica ‘Avenida dos Baobás’, trekkings para avistar lêmures e camaleões, e até uma viagem de trem histórica, datada de 1935, entre Fianarantsoa e Manakara, cruzando vilarejos que se agitam com a passagem dos vagões.

Viagem de comboio – Volatus

“O comboio é uma experiência incrível. Passamos por paisagens de tirar o fôlego, pelo meio da floresta tropical, e as paragens nas aldeias ao longo do caminho são espetaculares. As pessoas chegam para vender – chamuças, menakele – uma espécie de sonho, mas sem açúcar – frutas, especiarias e até lagosta! As paragens não têm tempo certo e nunca sabemos quanto tempo vamos esperar, então acontece tudo de forma inesperada. A viagem, que pode demorar 17h ou mais, permite misturamo-nos na pulsante vida das aldeias.”

Também há espaço para tradições ancestrais, como o Famadihana — cerimônia malgaxe de exumação e celebração dos antepassados. Sara conta que a cada 5, 7 anos (ou conforme a família decidir), os ancestrais são retirados dos túmulos, envolvidos em mais uma camada de tecido e têm seus nomes escritos nesse pano para manter viva a sua memória. Entre música e dança, os corpos são depois devolvidos ao túmulo da família. É uma cerimónia que celebra o reencontro entre a vida e a morte, um momento único da expressão cultural de Madagascar.

Cerimônia da Famadihana – Volatus

“Alternamos as experiências mais intensas e exigentes com dias de relaxamento e lazer. Terminamos sempre com dois dias de praia, visitando vilas de pescadores da etnia Veso. Vamos ainda aos túmulos mahafaly, num local escolhido pelos homens durante a sua vida e construídos após a sua morte. Os viajantes também têm tempo livre, para poderem simplesmente relaxar na praia, mergulhar e tentar observar as baleias”.

Pergunto a Sara sobre o impacto nos viajantes e ela destaca os parques naturais – pela beleza e diversidade de espécies – mas, antes disso, o que realmente marca é o impacto cultural.

“O desconforto de viver sem água corrente ou eletricidade mexe com algumas pessoas. Por outro lado, a proximidade com as famílias e as celebrações, como o Famadihana, tocam quem visita este país e têm oportunidade de vivenciar isso. Já ouvi viajantes dizerem que estar em Madagascar é como viver um filme diferente todos os dias — mas estando dentro dele”.

Sara com os parceiros locais em viagem de barco – Volatus

Guiar e trocar experiências

Sara afirma que seu propósito com as viagens vai além de guiar grupos, ela quer mostrar um outro lado de Madagascar — não o estereótipo do país pobre nem apenas as praias de luxo. É dar espaço e tempo para que as trocas aconteçam.

“O vínculo criado com as comunidades é também pessoal. Gosto de voltar para rever as pessoas com quem trabalhei, as famílias com quem desenvolvi laços de proximidade, de entrar no trator do pai do Theo para chegar ao rio, de sentir que faço parte dessas histórias. É isso que me motiva.”

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