
A guerra civil no Sudão está se intensificando e provocando consequências devastadoras para a população civil, segundo alerta da Missão Internacional Independente da ONU para Apuração de Fatos. Em discurso ao Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, os especialistas denunciaram o uso crescente de armamento pesado em áreas densamente povoadas, o aumento da violência sexual e de gênero e a instrumentalização da ajuda humanitária como tática de guerra.
O presidente da Missão, Mohamed Chande Othman, foi direto: “A dimensão do sofrimento humano continua a se aprofundar. O conflito no Sudão está longe de acabar.” Ele apontou ainda o enfraquecimento das estruturas de governança, a militarização da sociedade e a influência de atores estrangeiros como fatores que alimentam uma crise “cada vez mais mortal”.
Ataques e violações em larga escala
Relatórios recentes indicam um agravamento da violência sexual, com casos de estupros coletivos, sequestros, escravidão sexual e casamentos forçados, especialmente em campos de deslocados controlados pelas Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês).
Em El Fasher e arredores, dezenas de vilarejos foram atacados, incendiados e saqueados pelas RSF. Em um dos episódios mais graves, mais de 100 civis foram mortos. Em outro ataque, atribuído às Forças Armadas do Sudão (SAF), pelo menos 15 pessoas morreram durante um bombardeio em Al Koma.
Em áreas sob controle das RSF, como Cartum, Gezira e Senar, ativistas de direitos humanos, profissionais da saúde e trabalhadores humanitários têm sido alvos de prisões arbitrárias, tortura e até execuções.
Ajuda humanitária bloqueada e usada como arma de guerra
A missão da ONU também denuncia que as duas partes envolvidas no conflito têm imposto obstáculos à assistência humanitária. Enquanto o Exército dificulta o acesso por meio de entraves burocráticos, as RSF saqueiam comboios de ajuda e bloqueiam completamente o envio de suprimentos em várias regiões, agravando a fome — especialmente em Darfur.
No final de abril, atos de represália deixaram 30 civis mortos no bairro de Al-Salha, em Omdurman. Já em 2 de junho, cinco trabalhadores humanitários morreram durante um ataque a um comboio da ONU em Al Koma, a caminho de El Fasher.
Hospitais também estão sendo alvos frequentes. A RSF teria bombardeado uma unidade médica local mais de 10 vezes. Em outro episódio, um ataque de drones ao Hospital Internacional de El Obeid, em Kordofan do Norte, matou seis civis e forçou o fechamento da clínica — uma das últimas em funcionamento na região.
Apelo internacional
Diante da escalada da violência, Othman apelou aos países com influência sobre as partes em conflito para que pressionem por um cessar-fogo e garantam o cumprimento do direito internacional humanitário. Ele também cobrou a implementação do embargo de armas imposto pela Resolução 1556 do Conselho de Segurança da ONU e outras determinações subsequentes.
“É preciso agir com urgência para evitar a cumplicidade internacional em violações graves”, concluiu o presidente da missão.
Os relatores de direitos humanos são independentes da ONU e não recebem salário pelo seu trabalho.