Gerson Brandão, Por dentro da África
Por mais de 350 anos, mais de 12 milhões de homens, mulheres e crianças foram vítimas do tráfico transatlântico de escravos, um dos capítulos mais sombrios da história da Humanidade. Este comércio gerou a maior migração forçada da história e, inegavelmente, uma das mais desumanas. O extenso êxodo de africanos e africanas se espalhou por muitas áreas do mundo entre os séculos 16 e 19.
Em 1997, a Organização das Nações Unidas criou o Dia Internacional em Memória do Tráfico de Escravos e sua Abolição. A data foi escolhida em 23 de agosto em referência à revolta dos escravos em Santo Domingo, na madrugada de 22 para 23 de agosto de 1791, que deu início a movimentos de erradicação da escravatura pelo mundo e do tráfico transatlântico de seres humanos.
No território onde hoje é o Haiti, homens e mulheres se revoltaram e abriram caminho para o fim da escravidão e da desumanização das pessoas que foram forçadas a deixar o continente africano. O sucesso desta rebelião, liderada pelos próprios escravos, deve ser visto, ainda hoje, como uma profunda fonte de inspiração para a luta contra todas as formas de servidão, racismo, preconceito, discriminação racial e injustiça social que são, ao final, um legado da escravidão.
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Como resultado direto do comércio transatlântico de escravos, o maior movimento de africanos foi para as Américas – com 96% dos nativos da costa africana chegando em navios negreiros desumanamente lotados em portos da América do Sul, como o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, e o Mercado Modelo na cidade de Salvador. O legado dessa migração forçada ainda hoje é evidente, com grandes populações de afrodescendentes vivendo em países como o Brasil e em várias partes das Américas.
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Se por um lado o dia 23 de agosto se refere a um evento do passado, infelizmente, o comércio de homens, mulheres e crianças, pessoas que deveriam ser dotadas de direitos e protegidas pelo Estado, segue sendo um grande problema atual. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho da ONU (OIT), há quase três vezes mais pessoas em servidão forçada hoje em comparação com pessoas que foram capturadas e vendidas durante os quase 400 anos de comércio transatlântico de escravos.
O que a OIT chama de “a nova escravidão” envolve cerca de 25 milhões de pessoas em situação de escravidão por terem contraído dívidas ou ainda um número estimado de 15 milhões de mulheres em casamentos forçados. Em 2021, em lugares como a Líbia, ainda existem mercados de seres humanos, regiões onde a vida vale menos do que uma garrafa de água.
Se no passado seres humanos eram tratados como mercadoria nas mãos de potências economicamente mais fortes da Europa ou do mundo árabe, hoje, muitas pessoas deixam suas casas porque a situação econômica caótica e as chuvas irregulares tornam impossível encontrar trabalho ou o suficiente para se alimentarem. Essa situação de vulnerabilidade expõe homens, mulheres e crianças.
É importante lembrar e honrar a memória de todas as vítimas do tráfico de escravos e da escravidão. É preciso abolir a exploração humana e reconhecer a dignidade de cada indivíduo na Terra, é preciso valorizar as pessoas que lutam pela liberdade e pela igualdade de direitos e construir sociedades mais justas, livres do preconceito e de todas as formas de discriminação.