Por Léonce Ndikumana
A emoção era palpável nas Nações Unidas quando, ao som de canções tradicionais de Gana, a Assembleia Geral (realizada em setembro) curvou-se para a memória de Kofi Annan (1938-2018). Um verdadeiro líder mundial, o homem que foi secretário-geral das Nações Unidas de 1997 a 2006 e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2001 junto com a ONU, ele simboliza aos olhos de muitos chefes de Estado a luta para melhorar as vidas das pessoas mais pobres e marginalizadas em todo o mundo.
Kofi Annan lutou por tornar o mundo um lugar melhor para todos, um lugar onde os recursos são compartilhados igualmente tanto em nível nacional quanto internacional. Isso permitiu colocar a luta contra a pobreza na agenda internacional, levando aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que agora foram substituídos pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), um conjunto de 17 medidas que as nações ao redor do mundo se comprometeram a implementar até 2030.
Mas Kofi Annan sabia que o preço dessa transformação era alto. A implementação deste programa ambicioso em termos de educação, erradicação da pobreza, igualdade de gênero e combate às mudanças climáticas, entre outros, requer financiamento, que faltam nos países em desenvolvimento, particularmente na África.
A ajuda internacional é insuficiente, além de ser um claro limite para a soberania das nações. Sabemos também agora que os países mais pobres estão perdendo recursos preciosos todos os anos através do que os economistas chamam de “fluxos financeiros ilícitos”. Estes incluem transferências resultantes de atividades criminosas de todos os tipos (tráfico de drogas, armas e bens), mas são, acima de tudo, recursos fiscais desviados por multinacionais. A África perde entre 30 e 60 bilhões de dólares a cada ano, segundo cálculos muito conservadores da Comissão Econômica das Nações Unidas para a África e da União Africana. Isso é muito mais do que o montante da ajuda internacional para o continente.
Esse desvio é o resultado de um esquema que permite às multinacionais declararem seus lucros no país que lhes for conveniente – onde os impostos são os mais baixos, ou até nulos – e não onde as atividades econômicas reais e a criação de valor ocorrem na realidade. Elas fazem isso apresentando suas subsidiárias como empresas independentes, e cobrando transações fictícias entre elas para beneficiar aquela que está instalada em um paraíso fiscal, e assim acabar pagando quase nada de impostos.
A característica mais chocante dos atuais esquemas de evasão fiscal das empresas é que eles são legais, o resultado de um sistema tributário internacional que é tão injusto quanto obsoleto e na elaboração dos quais os países em desenvolvimento nunca estiveram envolvidos. Seja em nome do colonialismo, do neocolonialismo ou do chamado “livre” comércio, os países ricos moldaram historicamente o sistema financeiro global e o sistema tributário internacional apenas para atender a seus próprios interesses. Na África, é o setor das indústrias extrativas que é o símbolo mais marcante desse assalto permanente.
As consequências humanas e sociais de abusos fiscais por multinacionais e pelas elites são enormes. Considera-se que 90% da renda de um país é derivada de impostos. Menos receita tributária significa menos financiamento para infraestrutura, educação, saúde, nutrição, proteção dos direitos das mulheres ou proteção ambiental. No final, isso significa considerar que o desenvolvimento para todos é apenas uma utopia.
Consideramos, por exemplo, o objetivo 4 para o desenvolvimento sustentável, o de reduzir em dois terços a taxa de mortalidade de crianças com menos de cinco até 2030. Sem uma alteração na afetação dos lucros das empresas multinacionais e, portanto, os impostos resultantes, seriam necessários 135 anos para que Camarões o alcançasse, segundo um relatório da organização de pesquisa Global Financial Integrity (GFI). Se os fluxos financeiros ilícitos fossem eliminados, o prazo seria de 35 anos. No caso da Mauritânia, o tempo necessário para atingir essa seria reduzido de 198 para 19 anos, na República Centro-Africana de 218 para 45 anos.
Kofi Annan considerava o sistema tributário internacional como um componente essencial do financiamento do desenvolvimento, da equidade e da justiça econômica. A Comissão Independente pela Reforma da Taxação Corporativa Internacional (ICRICT), da qual faço parte, vem tentado, desde a sua criação há três anos, contribuir para o legado do líder africano, propondo soluções concretas. Já que as multinacionais são formadas por subsidiárias sob controle de uma única administração, com apenas um grupo de proprietários, elas devem ser tributadas como empresas unitárias. Os lucros globais devem então ser distribuídos com base em fatores-chave, como a quantidade de empregos, as vendas e os recursos utilizados, o que permite calcular e atribuir os impostos a cada país, de acordo com a atividade econômica real.
Como Kofi Annan, também estamos convencidos de que os países em desenvolvimento, e especialmente do continente africano, devem contribuir diretamente para o debate sobre a reforma do sistema tributário internacional. Não é aceitável continuar, como o G20 – o clube dos 20 países mais ricos do mundo – está propondo hoje, testar novas regras sem ter tido o direito de debatê-las. A África quer se desenvolver e, para isso, precisa ser ouvida.
Léonce Ndikumana é Professor de Economia e Diretor do Programa de Política de Desenvolvimento Africano do Instituto de Pesquisa em Economia Política (PERI) da Universidade de Massachusetts, em Amherst e membro do ICRICT.