Filme conta história da busca pelas raízes em religião afro-brasileira

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Ori Inu: In Search of Self – Divulgação – Photographer RaeAnn Walters

Natalia da Luz, Por dentro da África

Acra, Gana – Durante anos, eles tentaram manter contato com as raízes africanas e com a identidade herdada da Nigéria e da Guiana, recebida pelos pais. Aos poucos, a influência das religiões de matrizes africanas foram revisitando o imaginário de dois irmãos que assinam Ori Inu: In Search of Self (Ori Inu: a procura de si), filme que fala sobre espiritualidade e reverencia os orixás Iemanjá e Exu.

Ori Inu: In Search of Self – Divulgação – Photographer RaeAnn Walters

– Nesta jornada de tentar encontrar a divindade dentro de nós mesmos, como pessoas negras, a espiritualidade veio para nós. Isso acontecia na medida em que crescíamos como intelectuais e na medida em que questionávamos as instituições – disse em entrevista exclusiva ao Por dentro da África Emann Odufu, escritor e produtor que vive em Nova York.

Em iorubá, língua usada nos cultos de religiões de matrizes africanas, Ori Inu significa “Cabeça Interior”, ou seja, o eu supremo, a individualidade.

Quando criança no Brasil, Natalia, a protagonista de 18 anos, foi muito influenciada pelo candomblé. Depois de ser forçada a se mudar para os Estados Unidos, ela entrou em conflito quanto a permanecer fiel às suas raízes afro-brasileiras ou mudar de religião.

Emann conta que leu bastante sobre o rei Leopoldo II da Bélgica, que protagonizou um dos escândalos internacionais mais infames da colonização na África. O relatório de 1904, escrito pelo diplomática Roger Casement, levou à prisão e à punição de oficiais brancos que tinham sido responsáveis por massacres durante uma expedição de coleta de borracha em 1903. Essa e muitas outras histórias o fizeram repensar. Não só ele, mas a irmã, Chelsea Odufu, que também é responsável pelo filme. Quando adultos, eles perceberam que havia uma ideia de empurrar as pessoas da diáspora africana para longe de suas tradições e cultura.

Ori Inu: In Search of Self é uma história de amadurecimento sobre uma jovem imigrante que deve escolher entre a sua identidade, entre a espiritualidade com as normas culturais da América, ou revisitar suas raízes na religião afro-brasileira chamada candomblé – contou Emann sobre a obra que foi rodada em Trinidad e Tobago, situada ao largo da costa nordeste da Venezuela e a sul de Granada, nas Pequenas Antilhas.

Os irmãos que dirigiram o filme Ori Inu: In Search of Self – Divulgação – Photographer RaeAnn Walters

A ideia do filme partiu da tese de mestrado de Chelsea, enquanto escrevia sua pesquisa para a Universidade de Nova York, inspirada no ativismo afro-brasileiro, na morte de Michael Brown (jovem negro de 18 anos alvejado pelo oficial da polícia municipal Darren Wilson) em Ferguson Missouri e na tensão racial em todo o mundo. A espiritualidade também influenciou esse trabalho por conta da compreensão da percepção negativa sobre as religiões de matrizes africanas.

– Sentimos a necessidade de criar um filme para mostrar o negro como divindade, como uma forma de combater as imagens recorrentes que vimos na TV: de crianças negras sendo assassinadas pela polícia, indicando que as nossas vidas não importam. Como queríamos fazer o filme o mais autêntico possível, era importante  mostrar os orixás em seu elemento. Em cada cena com Iemanjá, por exemplo, há o oceano, já que ela é a deusa do mar – conta Chelsea sobre a sua protagonista.

– Iemanjá é um excelente exemplo desse efeito da diáspora nos países da América. Na África, ela era  `deusa da água doce`. No Brasil, por um efeito antropológico, ela virou mãe dos mares, a deusa dos mares. Ela é a grande mãe, aquela que rege a harmonia do lar, a sanidade mental – disse em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, o babalorixá Marcio de Jagun.

Presente nas cenas, também está Exu, orixá da comunicação, da ordem e da disciplina, guardião das aldeias, cidades e casas. A palavra Èșù, em iorubá, significa ‘esfera’, e, na verdade, Exu é o orixá do movimento. Ele é quem deve receber as oferendas para assegurar que tudo corra bem entre o Orun (o mundo espiritual) e o Aiye (o mundo material).

-Exu é, sem dúvida, o mais polêmico de todos os orixás. Ele não é bom, mas não é mau. Ele sofre muito com diferentes interpretações desde muito tempo… Quando os missionários europeus chegaram à África no século XVI e viram chifre, tridente e rabo deturparam a imagem de Exu. Associaram a figura do orixá ao que eles chamavam de satanás e não existe isso. O demônio deles não têm nada a ver com a atribuição de Exu – explicou Marcio – completando que o orixá também rege a vitalidade, a energia.

Ori Inu: In Search of Self – Divulgação – Photographer RaeAnn Walters

– O filme aborda a relação complexa dentro de uma família com três mulheres, com visões diferentes sobre a espiritualidade. Ao explorar suas raízes no candomblé com o seus orixás femininos e sacerdotisas, Natalia olha para dentro de si para redefinir seus próprios pontos de vista sobre o que significa ser uma mulher negra e os papéis que ela desempenha na sociedade – explicou Emann.

Ori Inu: In Search of Self – Divulgação – Photographer RaeAnn Walters

O produtor conta que a jornada em busca do autoconhecimento, por meio de conexões espirituais sobre sua ascendência africana, pode estar relacionada com a viagem de muitas pessoas da diáspora africana.

– O candomblé e a luta dos afro-brasileiros são predominantemente mostrados no filme, onde há uma procissão até o mar, onde há oferendas à Iemanjá. Há, então, uma cerimônia liderada pelo Mama Lola (interpretado por Tonya Pinkins – avó da protagonista), onde ela fala sobre a opressão que os afro-brasileiros enfrentam.

“Há anos, temos sido forçados a adorar nas sombras, mas, hoje, essas orixás nos darão poder divino para lutar. Essa noite, vamos experimentar emancipação e liberdade absoluta”.

 

– A magia deste filme nos deixou em contato com muitas sacerdotisas, que não necessariamente praticam o candomblé, mas praticam a Santeria (conjunto de sistemas religiosos que funde crenças católicas com a religião tradicional iorubá), por exemplo. Cada experiência faz parte da jornada da personagem. Depois de algum tempo, o nosso filme começou a se tornar vida real, onde eu senti que eu estava literalmente vivendo cenas que eu e meu irmão tínhamos escrito no passado.

Sobre as religiões de matrizes africanas mencionadas por Chelsea, como santeria e candomblé, Marcio ressaltou que precisamos aprender sobre o efeito que a diáspora produziu em países como Cuba, Panamá, Haiti e Brasil.

-O efeito da diáspora gerou religiões diferentes. Basta a gente avaliar o culto aos orixás em Cuba e no Brasil. Oxalá, no Brasil, é masculino, em Cuba, feminino, por exemplo. Os rituais, os elementos, os cântigos, tudo isso é bem diferente. Não se trata da mesma religião. Aqui, Iansã faz sincretismo com Santa Bárbara (santa católica que rege as chuvas e tempestades) e passa a ser uma divindade dos raios, mas nunca foi. O elemento de Iansã é o vento, mas aqui não – exemplificou o babalorixá.

O culto à Ifá também influenciou a produção do filme. Marcio explica que Ifá é o oráculo. Não existe uma religião ifá. O culto à Orunmilá (divindade da profecia) é um culto que produz olhadores (pais do segredo chamados de babalawo). 

– Sobre o culto à Ifá, essa preparação para formar babalawos é extremamente complexa. Ela demora praticamente 30 anos. Esse oráculo considera 256 Odús possíveis e cada um deles tem 600 poemas. O olhador precisa conhecer todos esses 600 poemas de cada odú. É uma vida inteira de preparação.
Ori Inu: In Search of Self – Divulgação – Photographer RaeAnn Walters

A maioria das pesquisas para o filme foi feita on-line, a partir de documentários ou filmes como Orfeu Negro e Cidade de Deus, para se ter uma ideia de como a cultura brasileira tem sido mostrada em tela por cineastas brasileiros. Com duração de 30 minutos, o filme está agora em sua fase pós-produção e quase pronto para começar a sua jornada por festivais de cinema.

-Além dos filmes, há os livros como Mumbo Jumbo, de Earl Lovelace, que incide sobre o movimento batista espiritual em Trinidad. Esses livros me ajudaram a ver o universo da espiritualidade africana e como os orixás são venerados em todo o mundo – completou Chelsea.