Por Fernando Guelengue, Por dentro da África
Luanda – Num azul e branco do tipo quadradinho, pus-me a andar trajado como um rapper pisando o chão do gueto de Cacuaco, em Luanda, com um tênis verde e uma camisa bem maior que o meu corpo, mas que serve bem ao Man Cobo ou ao MC Popular, meus irmãos, companheiros e amigos desde os tempos dos bica bidon.
No candongueiro, encontro um lotador de táxi dinâmico que encheu bem rápido a viatura e logo que fechou a porta principal deu à volta e subiu na primeira cadeira para tomar a responsabilidade de levar as mais de 12 pessoas, incluindo eu mesmo. Era o motorista!
Um africano puro e cheio de orgulho porque ao contrário de outros candogueiros com músicas americanas e europeias, esse condutor, bem calmo e pensativo, colocou a música de Justino Handanga, um nacionalista e intervencionista angolano que interpreta os problemas do país na sua língua materna umbundu, tipicamente da província do Huambo.
-Paulina espere por mim que venho já, estou cheio de saudade de te ver, ai! tanto tempo sem você -, escutava a canção que seguiu-se de uma melodia chamada Guerrilheiro, do músico David Zé. Foi fantástico!
Gostei de saber que a juventude está a resgatar os valores da tradição há muito menosprezados pelos meios de comunicação social daqui, já que a mídia se atrai pelos artistas da globalização e se esquece das nossas origens.
Chego em Viana, o famoso município satélite da capital do país e começa a história da nossa viagem em busca da justiça e o bem-estar social dos citadinos. Vejo as mesmas coisas de sempre que o nosso inconsciente não se nega de resguardar… Crianças a vender na rua, alimentos vendidos em plena via e sem qualquer cobertura, zungueiras na ponte aérea limitando a passagem e os agentes da Polícia Nacional seguindo atrás delas com a mesma missão: afugentá-las dos lugares com maior aglomerado de pessoas, onde elas encontram o sustento para os seus filhos, muitos dos quais, órfãos de pais que serviram de balas para libertação do país das incansáveis guerras. – E depois dizem que é só eles que lutaram!
Fechei os olhos e continuei. É muita desgraça que os nossos olhos fotografam… Foquei a minha necessidade que era a de me encontrar com a esposa de um amigo, colega e irmão dos tempos do Novo Jornal, do Folha 8, dos nossos encontros de preparação de projetos pessoais, como é o caso do primeiro site privado que aborda questões desportivas, o Golo.
Falo da Neusa de Carvalho, os olhos e coração do jornalista Sedrick de Carvalho, que está detido desde o dia 20 de junho com a acusação de preparação de atos de rebelião! Fiquei profundamente chocado quando a vi chegar. Eu a reconheci há uma grande distância porque caminhava num passo de tristeza e agastamento. Assobiei e logo me viu.
Lá vinha ela com um saco branco nas mãos com talheres e pratos utilizados porque ela saía do hospital-prisão do São Paulo na visita normal que continua a limitar pessoas que não são familiares diretos. Na bolsa, por sinal de cor preta, estavam os cinco livros que os detidos haviam pedido para ler: Canção da Alma, de Ana Bastos, Socialismo e Anarquismo no Início do Século, de Edgard Carone, Venenos de Deus Remédios do diabo, de Mia Couto, Roseiral Florido, de Beatriz de Almeida Pinto e Pobreza: O Epicentro da Exploração das Crianças em Angola, de Fernando Guelengue (colaborador do Por dentro da África).
Recordo o que um dos meus grandes irmãos e compatriotas dos serviços penitenciários de Calomboloca me fez saber que os presos políticos têm mais peso do que muita gente junta e uma sede de leitura forte. -Esses são presos do mais velho. Não te metas aí porque é peso-pesado. Os meus chefes também não entendem nada – explica e sustenta que são respeitados e que não restam dúvidas de que não são pessoas normais porque chegam a ler um livro de cerca de 200 páginas em apenas um dia.
A mensagem abaixo de Neusa de Carvalho me calara. Conseguiram, pela primeira vez, reunidos a três na mesma sala, nomeadamente, o Sedrick de Carvalho, com ela; o Nito Alves, com o seu pai; o senhor Fernando e o Albano Pedro, com a Laurinda Gouveia.
– Estou exausta, cansada e angustiada com o processo todo. Tive que cancelar a minha formação na Universidade Jean Piaget de Angola. A minha filha (de 2 anos) procura sempre o pai dela e é triste porque ele era um pai muito presente… Apesar disso, eles estão bem e mais determinados e não farão mais greve de fome. O meu Sedrick está otimista em terminar a sua formação superior nem que tenha que fazer exames especiais em janeiro. Não está fácil aguentar isso. Mas sabes que tudo tem um fim e esperamos um melhor para eles.
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