Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – Em Moçambique, uma vitória foi conquistada para beneficiar não apenas os ativistas de direitos humanos, mas todo o país que possui mais de 25 milhões de habitantes. O projeto de revisão do Código Penal foi promulgado em dezembro do ano passado pelo então presidente Armando Guebuza, mas o novo código só entrou em vigência no final de junho, revogando duas leis do período colonial que criminalizavam relações “anti-naturais”. Esse passo em respeito aos direitos humanos no território banhado pelo Oceano Índico estimula o debate em um continente onde a maioria dos países ainda criminaliza os homossexuais.
– O Código Penal, que datava de 1886, apenas aplicava medidas de segurança contra aqueles que se dedicassem à prática de atos contra a natureza, não se referindo explicitamente à homossexualidade. É certo que, para o legislador, a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo poderia ser entendida como uma prática contra a natureza, mas também é certo que esse entendimento já foi superado – disse em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, Dário Souza, representante da Lambda, Associação Moçambicana para a Defesa das Minorias Sexuais (Lambda).
Dario conta que, efetivamente, esses dispositivos do antigo Código Penal não eram usados, pelo menos desde 1975, quando Moçambique se tornou independente de Portugal. Mesmo assim, havia a menção às possíveis medidas de segurança “aos que se entregassem habitualmente à prática de vícios contra a natureza” (Art. 70 e 71). Neste processo, a Lambda tem um papel preponderante na luta LGBT, já que é a única voz representativa dos direitos das minorias sexuais.
– Nesta luta, tem sido importante o papel de várias organizações da sociedade civil que atuam na área dos direitos humanos em temáticas diversas como a questão da mulher e da criança. A organização existe desde 2006 e até este momento não foi registrada pelo Estado, mas isso não tem nenhuma relação com os dispositivos agora revistos do Código Penal. Apesar da falta de registro, a organização nunca foi impedida de operar, e é muitas vezes convidada para os fóruns de discussão importantes com o governo, principalmente, quando o assunto é saúde – explica Dario direto do escritório da organização composta por cidadãos moçambicanos que advogam pelo reconhecimento dos Direitos Humanos das pessoas LGBT.
O ativista detalha que, no processo de revisão do código, organizações submeteram as suas propostas de alteração ao Parlamento especificando a remoção do artigo. A nova lei não é uma lei específica sobre a questão LGBT, é um Código Penal, portanto, há varias questões previstas neste novo código como a despenalização do aborto, que foi alvo de grande debate no decurso de todo o processo.
Em dezembro, Moçambique se tornou o quarto país do continente africano a permitir que as mulheres façam o aborto até a 12ª semana de gestação. A decisão ocorreu após longo debate entre organizações feministas na busca por reduzir a mortalidade das mulheres. Por ano, pelo menos, 11% das mulheres que se submetem ao aborto morrem devido às complicações
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África do Sul
Dario lembra que a legislação sul-africana é considerada a mais avançada em África por conta da questão do casamento, entretanto, para ele, estamos tratando de duas situações diferentes: a legislação de família e a legislação penal. A legislação moçambicana já contém referências mais específicas a questão LGBT, por exemplo, como a lei do trabalho proíbe a discriminação por orientação sexual, o que na região é um avanço muito grande.
– A lei sul-africana não influenciou os governos da região porque existe o entendimento generalizado de que isso só aconteceu naquele pais por existir uma grande parte de cidadãos de raça branca, mesmo que a abertura só tenha acontecido na era pós-apartheid e sob a égide de um governo de maioria negra, liderado por Nelson Mandela.
Em entrevista ao Por dentro da África, Mário Ribas, doutor em Ciências Sociais pela Universidade da Cidade do Cabo (UCT) e ex-professor do Instituto Africano de Gêneros. diz que, durante o apartheid, a homossexualidade era crime com condenações de até sete anos de prisão. No caso das Forças Armadas, gays e lésbicas eram internados em hospitais psiquiátricos e centenas deles eram submetidos à cirurgias para castração química. Outros foram submetidos forçadamente à cirurgia para correção sexual, ou seja, mudança de sexo.
– Durante o apartheid, já existiam movimentos gays organizados. A maioria era nas comunidades brancas e alguns deles contra o regime. Após a queda do apartheid, houve maior expressividade nos movimentos e, aos poucos, foram se abrindo e se destacando. Esse processo foi rápido nas regiões urbanas como Cidade do Cabo e Johanesburgo, mas lento nas regiões menores, e principalmente nas áreas dominadas pela cultura afrikaaner (descendentes de holandeses nascidos na África do Sul) – ressaltou o especialista.
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Código Penal de Moçambique e a homossexualidade na África
A homossexaulidade na África ainda precisa vencer muitas barreiras. De acordo com a Anistia Internacional, mais de 30 países condenam seus homossexuais à prisão. Para Dario, os governos africanos são muito conservadores em relação à homossexualidade. Como exemplo, podemos citar o caso de Uganda. No país, os homossexuais são denunciados com fotos expostas em jornais como se fossem criminosos e sujeitos à punição de 14 anos de detenção.
Neste caminho de violação contra os direitos humanos, o presidente do país Yoweri Museveni assinou, em fevereiro de 2014, a lei que intensificava a sentença ao punir com prisão perpétua os seus próprios conterrâneos. Após repudio internacional, o presidente voltou atrás
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Após a legalização do aborto e da descriminalização da homossexualidade, pergunto a Dario se podemos dizer que Moçambique vive um novo período de respeito pela individualidade e diversidade.
– Em termos sociais, as leis que estão sendo revistas refletiam o sentimento do colonizador e infelizmente vigoraram mesmo depois de sermos uma nação independente. Essas mudanças não são um mérito do governo ou dos políticos, são um mérito do povo moçambicano, que é aberto às diferenças.