O ativista José Patrocínio – Divulgação

Natalia da Luz, Por dentro da África

Rio – Acusados de “alterarem a ordem pública do país”, segundo comunicado do Serviço de Investigação Criminal, 15 ativistas angolanos ainda permanecem presos desde o dia 20 de junho. O grupo foi detido e teve seus equipamentos apreendidos enquanto se reunia em Luanda. – Opine no fórum abaixo!

– Na ocasião, computadores, câmeras e gravadores foram recolhidos nas casas dos detidos. A polícia acompanhou todos eles até as suas respectivas residências e fez a apreensão de tudo o que encontrou. Os agentes não possuíam mandato, por isso, levaram também equipamentos de outras pessoas das famílias – detalha em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, José Patrocínio, um dos fundadores da OMUNGA, Associação Angolana de Promoção e Proteção de Direitos Humanos.

Foto: Maka Angola

Omunga significa “união”, na língua umbundo – falada em parte da Namíbia e pelos indivíduos da etnia dos ovibundos, que ocupam toda a região desde o litoral até o interior do centro/sul do país.  Por outro lado, Omunga podem ser entendido como mensagem e/ou mensageiro. Neste caso, o ativista diz que a palavra é interpretada como a mensagem de um grupo unido para conseguir mudança.

Filho de portugueses, José Patrocínio cresceu em uma família com ligações ao MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), partido que está no poder desde a independência, em 1975. Nos últimos anos, ele se tornou um crítico do governo, que ele considera um violador da liberdade de imprensa. Mais do que isso, o ativista lembra que é defensor dos princípios que nortearam a luta de libertação e o MPLA, onde foi educado.

– Esses homens que foram presos são acusados de tentar formar uma rebelião. Ser um ativista em Angola é ter a certeza de que poderá haver represálias de todos os tipos contra você – ressaltou Patrocínio.

José Patrocínio

Segundo comunicado da Amnistia Internacional, as autoridades angolanas devem libertar imediatamente e de forma incondicional os ativistas detidos. A organização destaca que esta é mais uma tentativa de as autoridades angolanas intimidarem qualquer pessoa que tenha uma perspectiva diferente daquela defendida pelo governo.

– As autoridades precisam libertar imediata e incondicionalmente os ativistas detidos, que são prisioneiros de consciência, e pôr fim à intimidação dos ativistas de direitos humanos”, frisa o vice-diretor da Amnistia Internacional para a África Austral Noel Kututwa.

O jornal Rede Angola confirmou a localização de onze dos quinze ativistas, que estão na cadeia de Calomboloca, no Icolo-e-Bengo: José Gomes Hata, Hitler Jessy Chivonde, Albano Evaristo Bingocabingo, Benedito Jeremias, Nelson Dibango Mendes dos Santos, Domingos da Cruz, Sedrick de Carvalho, Arante Kivuvu Italiano Lopes, Inocêncio António de Brito, Luaty Beirão, Manuel Nito Alves. Acredita-se que Nuno Álvaro Dala também esteja na mesma unidade prisional.

Essas prisões têm provocado críticas não apenas de entidades de direitos humanos, mas de artistas angolanos que condenam a ação da justiça, como a cantora Aline Frazão e o escritor Jose Eduardo Agualusa. No Brasil, eles foram presenças de destaque no festival Back2Black.

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– Esse envolvimento dos artistas dá mais visibilidade à causa, atenua a imagem de que isto é apenas de um grupo de jovens “frustados” e aumenta o campo de apoiantes, já que estes têm alguma influência sobre os seus “fãs” – completou Patrocínio.

Violação da Liberdade de Imprensa 

Manifestantes em Angola

A prisão teve como justificativa a acusação de rebelião e de que os ativistas também teriam o apoio do partido opositor UNITA. Patrocínio acredita que até possa haver no movimento jovens com filiação ou militância em diferentes forças partidárias, mas não enquanto grupo, já que é comum o discurso crítico ao papel dos partidos da oposição, incluindo a UNITA.

– De forma majoritária, a nível das redes sociais, vemos o descontentamento em relação à prisão, vemos pessoas solidárias e crentes que esta ação do governo objetiva ameaçar e desviar a atenção para outros assuntos sérios como o caso do monte Sumi – pontuou Patrocínio.

Para relembrar, o caso do Monte Sumi se trata de um massacre na província de Huambo, no centro de Angola. O governo da região declarou que nove policiais e 13 civis foram mortos em um confronto, quando a polícia tentou prender José Kalupeteka, líder da seita religiosa “Luz do Mundo”, no dia 16 de abril. Moradores da região e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) falam em até 1.000 mortos.

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Domingos da Cruz
Domingos da Cruz

Domingos da Cruz, um dos presos, já foi parar no tribunal, muitas vezes, por conta do seu livro “ Para onde vai Angola: A selvageria apocalíptica onde toda perversidade é real”. O livro foi o motivo de perseguição política e de investigação por incitação à violência, levando Domingos ao tribunal. Em entrevista ao Por dentro da África, realizada no ano passado, Domingos não sabia dizer concretamente qual trecho do seu trabalho teria gerado tal repulsa dos políticos angolanos. A sua certeza era de que grande parte deles temia ideias autênticas e contrárias à crítica e ao esclarecimento.

– As suas atitudes de censura são manifestações de coerência com a natureza do regime. Para mim, com esse grupo no poder, Angola continuará um país atrasado, sem bens sociais mínimos para viver, com alto índice de corrupção, um país que envergonha os seus filhos, que lutam por uma vida ética – desabafa o ativista de 30 anos e com três livros publicados: “Para onde vai Angola” (2008), “Quando a guerra se faz necessária e urgente” (2010) e “A liberdade de expressão e de imprensa: implicações éticas na infância” (2011). Veja aqui a entrevista com Domingos da Cruz.

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Extração de diamante em Lunda

Extração de diamante - lunda
Extração de diamante – Lunda

Entre os muitos casos de repressão à liberdade de imprensa está o do jornalista Rafael Marques. Acusado por generais angolanos, Marques foi impedido de sair do seu próprio país. Em discurso, o ativista disse que “Angola é um país que existe, embora grande parte concorde que ainda não é uma nação. A democracia é uma farsa, o governo é uma farsa, as políticas internacionais para Angola são também uma farsa” – afirma Marques em sua obra.

Em abril de 2013, Marques foi interrogado no Departamento de Combate ao Crime Organizado, sob a acusação de difamação por conta do livro “Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola”, publicado em Portugal, em 2011. A obra documenta casos de homicídio, tortura, deslocamentos forçados e intimidação contra os habitantes das áreas de extração de diamantes em Lundas.

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